Animais de segunda e danos colaterais

O aumento do número de gaivotas é um problema que se generaliza por todos os grandes centros urbanos do litoral. A solução mais viável passa por reduzir o lixo produzido e evitar que seja deixado a céu aberto

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Tarpit Grover/Unsplash

No seguimento de denúncias que reportam a morte de várias gaivotas, dois cães, cagarros juniores e um milhafre, a Direcção Regional do Ambiente (DRA) dos Açores suspendeu a realização dos testes de controlo da população de gaivotas junto ao aterro municipal de São Miguel. Estes testes, realizados pela Empresa Municipal de Operações do Ambiente (MUSAMI), usavam como isco sacos com Pentobarbital de Sódio, uma substância utilizada no controlo de pragas. Espanto dos espantos, só após a aplicação desta substância é que se foi tentar perceber os efeitos nos seres humanos, com a Direcção Regional a admitir a possibilidade de ter implicações na saúde pública, tendo até notificado o Delegado de Saúde.

Existe algo de muito errado na forma “ligeira” como estes assuntos são geridos. O princípio da precaução e a ética, supostamente partilhada por todos, diria que se deveria procurar alternativas mais evoluídas para lidar com estas situações, fosse para evitar a morte destes animais, considerados aqui claramente como "de segunda", fosse para antecipar as implicações que esta decisão pode ter na saúde humana.

Devido à sua inteligência, as gaivotas são seres vivos com capacidade adaptativa e sentido de oportunidade. Apesar de poder haver controlo a jusante, com técnicas como a retirada dos ovos — já usadas por alguns municípios em conjunto com o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) —, este método não se torna eficaz a médio prazo: apenas aumenta a agressividade destes animais. O problema reside a montante, na forma como tratamos os nossos resíduos: aterros, lixeiras, restos de peixe nas lotas e contentores abertos. Se não houver comida fácil, a proliferação das aves não acontece, porque simplesmente não existem condições adequadas para esse fim. A lógica já foi entendida por vários municípios, mas infelizmente não em São Miguel.

Não precisamos de repetir novamente o que aconteceu em 1994 nas Berlengas, onde foram dizimadas milhares de aves adultas, com várias organizações não-governamentais ambientais internacionais a apontar o dedo a um Portugal pouco “civilizado”.

O aumento do número de gaivotas é um problema que se generaliza por todos os grandes centros urbanos do litoral, não só em Portugal mas também um pouco por todos os países costeiros europeus. A solução mais viável, usada por exemplo em Peniche e Lagos, passa por reduzir o lixo produzido e evitar que seja deixado a céu aberto. Alguns municípios já procuraram soluções alternativas também em conjunto com o ICN, avançando para programas mais eficazes de controlo da população de gaivotas, tais como as acções de inviabilização (diferente da substituição) de ovos. Obviamente, consideramos que o caminho deverá ser o da procura de soluções cada vez menos violentas e mais adequada à realidade destes animais.

O PAN vai avançar com uma questão à secretária regional da Energia, Ambiente e Turismo, essencialmente para saber de quem é a responsabilidade da colocação dos iscos e que diligências serão tomadas face às consequências que resultaram desta acção, para que de futuro se estudem alternativas mais construtivas, quer para os animais quer para as populações, entendendo que lamentáveis situações como esta continuam a atrasar o novo paradigma de transformação ética para o qual todos queremos caminhar.

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