Tintin no País de Anton Kannemeyer

"Tintin representou um escapismo, tirava-me do mundo. Foi muito importante para mim durante a puberdade”.

Foto
Yves Herman/Herge-Moulinsart/REUTERS

Até o leitor menos avisado reconhecerá sem dificuldades a presença de Hergé nos trabalhos de Anton Kannemeyer. Há um desenho de Tintin e Capitão Haddock que é uma caracterização psicológica notável das duas personagens, vêem-se composições do espaço que recordam o estilo ligne claire e também versões mais envelhecidas, calvas, do jovem repórter correm pelas pranchas. Atente-se em 1974 que, com Sonny (publicada na edição portuguesa de Papá em África), assinala a entrada do artista no registo autobiográfico. São duas histórias que abordam a violência, os traumas, os medos que corroíam por dentro a sociedade africânder.

Mas o que está lá a fazer Hergé? “Quando comecei a lidar com esse episódios, não podia falar com ninguém, tinha que os desenhar. Na altura, trabalhava com modelos vivos e percebi que para avançar, teria de levar o desenho de Hergé de volta a esse período. O Tintin representou um escapismo, tirava-me do mundo. Foi muito importante para mim durante a puberdade”. Regresso que se tornaria revelador. O artista aponta para uma vinheta: “Repare nesta arquitectura, nestes muros de betão que rodeavam as casas. Não sei se foi uma invenção sul-africana, mas não podia ser mais fascista. E a relva maravilhosamente cortada. Há uma ligação óbvia com a ligne claire, mas não a quis atacar, quis apenas voltar àquele espaço, para lidar com aquele tempo. É nesse sentido que não me considero um autor de BD tradicional, que faz duas páginas por dia, para publicar um álbum de aventuras. Vou a sítios mais escuros onde encontro o que procuro”.

Sobre Hergé, o artista admite continua a gostar da sua banda desenhada, mas vê em Tintin no Congo um livro que só é útil para pôr as pessoas a pensar sobre o racismo. “Só o li mais tarde e é uma obra indesculpável. Avisaram-no de que estava a reforçar estereótipos, a contribuir para o racismo, e ainda assim ele fê-lo. Não há qualquer ironia, qualquer crítica. É um mau livro”.

Sugerir correcção
Comentar