Os conteúdos da forma

Concebida no período mais duro da crise e sucedânea de uma terceira edição da trienal mais dispersiva, a “Forma da Forma coloca novamente a Arquitectura como a disciplina da transformação física e social do real.

Fotogaleria
O sistema Hennebequi contribuiu para o desenvolvimento do betão armado no século XIX - Obra FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO
Fotogaleria
FOTO: PEDRO BELLO

A quarta edição da Trienal de Arquitectura tem o título A Forma da Forma. Com curadoria dos arquitectos Diogo Seixas Lopes e André Tavares, esta edição conduz as exposições e debates para um caminho possível de regresso à disciplina. Concebida no período mais duro da crise financeira e sucedânea de uma terceira edição da trienal mais dispersiva, a Forma da Forma, título sedutor e com várias camadas de leitura, coloca novamente a Arquitectura como a disciplina das sínteses e a da transformação física e social do real. Com esta edição da Trienal podemos percorrer um périplo pelos conteúdos da forma.

O conjunto de quatro exposições em vários pontos da cidade estabelece relações distintas com a Forma da Forma. No MAAT o arquitecto Diogo Seixas Lopes comissariou a exposição que utiliza o título desta edição, na Fundação Gulbenkian o arquitecto André Tavares (também crítico de arquitectura do PÚBLICO) comissariou Obra, na Garagem Sul do CCB o atelier FIG foi responsável pela exposição O Mundo nos nossos Olhos e na Sede da Trienal os arquitectos Marta Labastida e Rui Mendes foram os responsáveis pelo concurso universitário que permitiu a exposição Sines: Logística à Beira-Mar. Em rede constroem o argumento desta edição sobre modos de actuação na contemporaneidade. .

A exposição A Forma da Forma envolve três ateliers de arquitectura - Nuno Brandão Costa de Portugal, Office KGDVS da Bélgica e Johnston Lee da Califórnia, Estados Unidos. Foi pedido aos arquitectos que escolhessem momentos de edifícios uns dos outros para daí começar uma construção. Não é uma exposição de arquitectura convencional. Aí reside a sua maior força porque procura ultrapassar o impasse da representação (desenhos, maquetas, vídeos) e oferece a experiência de um espaço e das suas matérias várias. Trata-se de uma arquitectura efémera, embora geradora de espaço e com recursos a sistemas constructivos, que revela um processo de trabalho.

A peça desenhada por Brandão Costa, Office e Johnston Lee é inevitavelmente uma colagem de modos de pensar e construir arquitectura. Do encontro entre estes arquitectos, monotorizado por Diogo Seixas Lopes, resulta uma sucessão sedutora e variada de espaços que aludem aos fundamentos da prática da disciplina – ao pensamento e à construção.

Menos eficaz é a sua utilização como espaço expositivo convencional, cuja vocação não parece ter. O conjunto de imagens em exposição (um atlas) foi compilado pelo colectivo italiano (baseado em Paris) Socks Studio. Trata-se de um trabalho preciso e sofisticado no seu modo de apresentação. Contudo a pequena escala das imagens e a sua fragilidade de dispositivo (papel colado à parede) não parecem conviver bem com a arquitectura colagem que as alberga. Neste caso o conteúdo deveria ser a forma.

Na Fundação Calouste Gulbenkian encontra-se a exposição Obra. Concebida por André Tavares e com vários curadores convidados, aborda a condição anterior à experiência convencional da arquitectura – o processo de construção e principalmente a questão da comunicação à obra. O texto do curador refere uma imagem poderosa que aborda a energia física e intelectual empregue no âmbito da construção que, uma vez a obra acabada, repousa em silêncio no edifício. Esta possibilidade de partilha dessa energia divide-se em sete núcleos (felicidade, leveza, sistema, tempo, material, comunicação, coreografias) com uma escolha eclética de arquitectos. Novamente, mais do que o resultado final, parece ser o processo o motor da selecção – um “processo da forma”.

A exposição aborda situações tão inesperadas quanto uma reflexão sobre recursos humanos elaborada na década de 1970 por Cedric Price para a empresa britânica Sir Robert McAlpine & Sons. Não se trata de um projecto de arquitectura mas antes de uma reflexão sobre as condições e a organização do trabalho num eventual estaleiro. Price propõe um sistema de justiça e conforto espacial utilizando as ferramentas da disciplina – desenhos, diagramas. Antes da transformação física propõe-se a transformação social.

Com a excepção do atelier OMA de Rem Koolhaas presente na exposição com a Casa da Música nada poderia estar mais distante de Cedric Price do que o também britânico David Chipperfield ou o colectivo brasileiro Usina. A exposição arrisca um salto de realidade em realidade, em várias décadas e pontos geográficos, onde se vão revelando as várias frentes da ideia de “obra”. Desde a habitação colectiva financiada pelo Estado Brasileiro concebido pelo colectivo Usina que recorre à auto-construção (a partir de um sistema que vai do tijolo ao conjunto urbano) até ao trabalho sobre a memória através do Museu Neus de David Chipperfield. O último espaço apresenta, fora de contexto, filmes de animação de conteúdo cómico sobre estaleiros, que parecem contrariar a gravidade e densidade do conjunto.

Entre a Forma da Forma e a Obra resume-se uma ideia sobre arquitectura. De um lado a experiência sem mediação de um artefacto construído, cujo processo se intui, e de outro um mergulho na densidade do acervo documental baseado em desenhos e maquetas cuja energia resultou na fixação da forma. Tudo se resume num convite à partilha do conteúdo da forma.

Sugerir correcção
Comentar