O rei da Tailândia morreu, teme-se que o país derrape para o caos

Tinha 88 anos e a sua sucessão abre um período de incerteza na política tailandesa. Bhumibol Adulyadej era o monarca há mais tempo num trono. Junta diz que princípe herdeiro irá assumir o trono.

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O rei Bhumibol Adulyadej tinha 88 anos e uma saúde frágil AFP
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O rei era venerado pela população Reuters
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A família real - o príncipe Vajiralongkorn é o da direita Reueters

A casa real tailandesa anunciou esta quinta-feira a morte do rei Bhumibol Adulyadej. Estava no trono desde 1946 – era o monarca com o reinado mais longo – e, apesar de ter poucos poderes, a sua figura é reverenciada pelos tailandeses. 

Era também uma figura fundamental no frágil panorama da política tailandesa. Nos últimos dez anos, o país passou por dois golpes militares que afastaram do poder governos eleitos. Os dois derrubes são vistos como reacções das classes médias e altas das grandes cidades contra o apoio eleitoral dado pelas populações rurais, especialmente do Norte do país, a políticos considerados populistas.

Desde o golpe de Maio de 2014 que o país é governado por uma junta militar que tem concentrado em si cada vez mais poderes. Neste contexto, o rei Bhumibol era o elemento de equilíbrio. Há receios de que a sua morte atire o país para um período de incerteza.

O chefe da Junta Militar, general Prayuth Chan-ocha, declarou que o príncipe herdeiro, o muito pouco popular Maha Vajiralongkorn, 63 anos (que passa muito tempo fora da Tailândia, em especial na Alemanha) está pronto para assumir as suas obrigações.

Antes, Prayuth disse que o príncipe herdeiro tinha pedido tempo para fazer o luto junto com o resto do país. “Vamos esperar pela altura certa” para anunciar o sucessor, declarou o chefe do Governo. 

O general anunciou ainda um aumento de medidas de segurança por todo o país enquanto se preparam vários dias de cerimónias fúnebres. 

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À porta do hospital juntou-se uma multidão a rezar pelo rei LILLIAN SUWANRUMPHA/AFP

A saúde de Bhumibol, de 88 anos, piorou consideravelmente no último ano, o monarca estava ligado a um ventilador.

Bhumibol chegou ao trono por via de uma tragédia: o irmão Ananda aparece morto uma manhã na sua cama com um tiro na cabeça. Três membros do palácio foram acusados, mas sempre persistiu a suspeita de que tenha sido o próprio Bhumibol a matar o irmão, de forma acidental. A tese foi avançada pelo jornalista britânico Andrew MacGregor Marshall, num polémico livro que foi proibido na Tailândia e que lhe valeu a expulsão do país.

O jovem príncipe acabou por subir ao trono, mas a coroação oficial ocorreu apenas quatro anos depois, uma vez que Bhumibol estava a estudar na Suíça, onde passou a infância. Esta era uma época em que a coroa tailandesa estava enfraquecida, sem qualquer poder real desde a entrada em vigor do regime constitucional em 1932. Nascido nos EUA, sem qualquer ligação sentimental ao país, criado a milhares de quilómetros e até sem dominar bem a língua, Bhumibol, agora Rama IX, tinha tudo para ser um rei a prazo.

A Tailândia do pós-guerra pouco tinha a ver com ele. “Uma figura da modernidade numa sociedade quase feudal, presa no século XIX, o jovem rei velejava, tocava jazz, tinha a sua própria estação de rádio, pintava quadros expressionistas a óleo e frequentava festas da classe alta”, escreveu o jornalista Paul Hanley na sua biografia não autorizada de 2006 The King Never Smiles (O Rei Nunca Sorri, sem publicação em português).

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O príncipe herdeiro, Vajiralongkorn, é altamente impopular PORNCHAI KITTIWONGSAKUL/AFP

E, porém, o rei consolidou o seu poder e aprendeu a navegar nas águas traiçoeiras da política tailandesa. Durante as sete décadas de reinado, Bhumibol assistiu a dez golpes militares, sem que a sua autoridade fosse posta em causa. Na verdade, o grosso da população, presa entre a corrupção da classe política e o autoritarismo dos generais, depositava no monarca a legitimidade política. À sua volta, o palácio conseguiu concentrar os interesses muitas vezes díspares de uma sociedade muito polarizada como é a da Tailândia.

“A coligação emergente da monarquia, o antigo establishment monárquico, a elite capitalista de etnia chinesa e os militares, foi cimentada pelo cada vez mais rico Gabinete de Propriedade da Coroa, que une a oligarquia numa teia de negócios empresários e investimentos”, escrevia em 2014 Andrew MacGregor Marshall no seu livro A Kingdom in Crisis. Para além do capital político, a coroa tailandesa acumulou uma vasta fortuna – segundo a revista Forbes, é mesmo a mais rica do mundo, valorizada em mais de 30 mil milhões de dólares (27 mil milhões de euros).

Um dos seus legados é uma filosofia económica designada “economia de suficiência”, que advoga a preservação de recursos e uma produção sustentável, baseada nas tradições rurais.

Apesar dos poucos poderes formais que lhe foram conferidos, a intervenção de Bhumibol ao longo dos anos veio a revelar-se decisiva, tanto por acções como omissões. Em 1973 autorizou o acolhimento de manifestantes que protestavam contra o Exército, impedindo a sua chacina. Mas não o fez três anos mais tarde quando um grupo de estudantes de esquerda foi linchado por uma milícia pró-governamental. O desfecho dos vários golpes militares dependeu sempre do assentimento tácito – ou falta dele – por parte do rei Bhumibol.

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