When I was the Prime Minister of a small country

Guterres quer saber tanto de Portugal como eu quero saber da Micronésia (sem querer menosprezar os Micronésios, esse grande povo)

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Manuel Roberto

E porque de vez em quando lá nos fica uma frase ou outra na memória, não poderei de modo algum esquecer o dia em que vi, e ouvi, o actual Secretário-geral das Nações Unidas, proferir a seguinte frase numa conferência de imprensa, à data como chefe do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados: “When I was the Prime Minister of a small country...” (traduzido do Inglês, e para quem não percebeu a indirecta, ”Quando eu era Primeiro-Ministro de um pequeno país...“). E eu, de súbito, a pensar, ”Sacana“, com que então Primeiro-Ministro de um pequeno país?

O que é que queres dizer? Que quando andavas por cá ainda te servíamos para alguma coisa, mas agora que já estás no poleiro não passamos de um ”small country“, quiçá esquecido nesse álbum de memórias que é agora o teu passado, um passado do qual te envergonhas, porque agora sim, agora és alguém e Primeiro-Ministro não te chegou? Não se enganem, meus senhores. Independentemente de todas as qualidades inegáveis que fazem de António Guterres o actual representante máximo das Nações Unidas, a verdade é só uma: Guterres quer saber tanto de Portugal como eu quero saber da Micronésia (sem querer menosprezar os Micronésios, esse grande povo). E se porventura Guterres é português, tal facto é apenas um daqueles percalços da vida que este nosso amigo procurou rapidamente resolver através de um meteórico percurso profissional cujo resultado está agora à vista.

Como se ser português, filho de Camões e dos Descobrimentos, descendente do Douro e de todas as praias de Portugal, casado com as tágides e enamorado pelas serras, amante do surf e de todas as ilhas dos Açores e Madeira, fosse um erro, um sinal, uma verruga que urge extirpar e queimar à primeira oportunidade antes que a mesma se torne no carcinoma final. Como se ser português fosse uma maldição cuja única cura consiste na redenção apoteótica de fugir lá para fora, onde o mundo acontece de facto, porque Portugal não só já era, como já deu o que tinha a dar.

E de facto demos. Demos a Guterres tudo o que Guterres é hoje: demos a educação, a língua, as mãos e os braços, as pernas para andar, a cabeça para pensar e o corpo para agir, mas sempre na promessa de que Guterres nunca se esquecesse de quem é, de onde veio, e a dívida que tem para todo um país que, presentemente, de Norte a Sul, de Este a Oeste, do Continente até às ilhas, exulta a sua vitória.

Um destes dias houve quem me dissesse para votar em determinado partido (sim, o PS, já que me pedem para concretizar), “pode ser que te caiam algumas migalhas”, acrescentaram... “Migalhas?“ Pensei. Mas porque tenho eu de prescindir da minha ideologia, das minhas crenças, do meu orgulho e do meu voto em função de umas “migalhas”? E o que são as “migalhas”, pode alguém explicar-me? Um poleiro, um “job for the boys”, um "subsidiozinho", uma amostra do meu grande egoísmo expressada através de um voto perdido numa urna perdida num país perdido no passado distante de quem está mais preocupado em servir-se a si próprio ao invés de a todos quantos nele votaram? Não, obrigado, guardem lá as vossas migalhas, e já agora o pão inteiro, espero bem que se engasguem, assim como todos nos havemos de engasgar quando finalmente percebermos como os dons conciliatórios e a sua total incapacidade para não dizer nem “não” nem “sim”, antes um “nim”, fazem de Guterres não só o pau-mandado ideal para o lugar de Secretário Geral das Nações Unidas mas também o melhor candidato a futuro Presidente não executivo da Goldman Sachs.

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