"A decisão política está tomada", diz ministro, mas falta classificar a colecção Miró

Ministro da Cultura diz ao PÚBLICO que é "prematuro falar de questões técnicas e processuais".

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Mulheres e Pássaros, de 1968, está entre as obras presentes na colecção Reuters/SUZANNE PLUNKETT

Foi uma prioridade para o Governo de António Costa garantir a manutenção em Portugal das 85 obras de Joan Miró que o anterior executivo quis vender num leilão em Londres, e por isso a decisão foi anunciada nesta terça-feira, sem que um processo de classificação tenha sido aberto protegendo-as legalmente de uma futura alienação. Esta já tinha sido, aliás, uma vontade repetida pelo ministro da Cultura, Luís Filipe Castro Mendes: “A decisão política está tomada”, adiantou ao PÚBLICO o ministro.

Ao mesmo tempo o seu gabinete, garantiu que “estão a ser encetadas todas as diligências necessárias” para a “não alienação das obras Miró e sua integração em entidade museológica nacional”. O gabinete não esclareceu, porém, se vai dar indicações à Direcção-Geral do Património Cultural para abrir um processo de classificação.

Já foram feitas várias tentativas para proteger estas peças, com as quais Pedro Passos Coelho esperava arrecadar em 2014 cerca de 35 milhões de euros para abater no “buraco” do BPN, a quem a colecção pertencia até à nacionalização do banco, embora sem sucesso. A colecção chegou a ser inventariada mas não classificada por oposição da Parvalorem e da Parups, sociedades que gerem os activos do BPN.

A oposição das sociedades, geridas por Francisco Nogueira Leite, à classificação foi justificada por a colecção se encontrar nessa altura em Portugal há menos de dez anos, como determina o artigo 68.º da Lei de Bases do Património Cultural. 

Agora, no entanto, deste conjunto de 85 peças, são já 64 as obras que se encontram há mais de dez anos em território nacional. Os documentos de importação definitiva datam de Dezembro de 2005 para 41 peças e Março de 2006 para 23. As restantes completam a década em Portugal apenas em 2018.

No conjunto que pode ser classificado está, por exemplo, Femmes et Oiseaux (Mulheres e Pássaros), de 1968, obra que foi anunciada como uma das estrelas do leilão na Christie’s e que foi avaliada entre os quatro e os oito milhões de euros.

Para Castro Mendes, “é prematuro falar de questões técnicas e processuais”. A classificação das obras foi defendida várias vezes por alguns deputados do PS, como Gabriela Canavilhas, ministra da Cultura no Governo de José Sócrates.

Na justiça, correm ainda processos relativos à colecção Miró, levantados pelo Ministério Público (MP), que desde o primeiro momento se opôs à decisão do anterior Governo de vender as obras. A procuradora-geral da República, Joana Marques Vidal, defendeu publicamente a manutenção das obras em Portugal, tal como a sua classificação. O PÚBLICO tentou obter uma reacção da procuradora, tendo perguntado ainda se vai o MP desistir do caso, uma vez que já se sabe que a colecção fica no Porto, mas não obteve ainda uma resposta.

O presidente da Parvalorem e da Parups, Nogueira Leite, argumentou ao longo de todo este processo que se arrasta desde o início de 2014 que ficar com as obras em Portugal implicava um custo para os contribuintes. Quando questionado em 2014 sobre a não realização do leilão e as suas implicações na Assembleia da República, Nogueira Leite respondeu aos deputados que a permanência das obras nos cofres custava aos contribuintes 5251,5 euros por dia em juros.

Se o MP defende que estas sociedades são entidades públicas - “detidas exclusivamente pelo Estado” e “de capitais integralmente públicos” - e que por isso estas obras pertencem ao Estado, não é essa a interpretação de Nogueira Leite. Em tribunal, a defesa das empresas alegou que a Parvalorem e Parups, apesar de serem públicas, regem-se pelo direito privado, acrescentando que a venda impugnada constitui “uma decisão livre de particulares que dispensa a intervenção do Estado”.

Esta terça-feira, interrogado pelo PÚBLICO, o presidente diz apenas que cumpre "as instruções que recebeu ou receberá do seu único accionista, o Estado". Sobre os custos acumulados, nomeadamente os decorrentes do contrato com a leiloeira internacional, Nogueira Leite não deu novos esclarecimentos. O cancelamento da venda, segundo a minuta do contrato a que o PÚBLICO teve acesso, obrigava a um pagamento de indemnização à leiloeira, que chegou a fazer um catálogo e a expor a colecção em Londres. O PÚBLICO sabe que esse contrato está suspenso há muito tempo à espera de uma solução para a situação legal da colecção.

Nogueira Leite opta por olhar para a exposição que é inaugurada nesta sexta-feira na Fundação Serralves, no Porto, como um novo capítulo nesta longa história. “Tenho a certeza que estão reunidas as condições para este evento se constituir no sucesso que todos desejamos”, diz, reforçando a parceria entre as empresas e Serralves.

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