O que fizemos nos últimos cinco anos?

Em 2011, quando o P3 nasceu, Diogo Magalhães entrou em Medicina com a média mais alta do país — 19,72 valores. Na altura, o mundo era diferente e a vida do jovem da Maia também. Percorremos os últimos cinco anos do país na perspectiva do futuro médico: da educação à emigração jovem, “troika” e temas fracturantes incluídos

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Nelson Garrido

No primeiro mês do curso de Medicina, Diogo Magalhães estudou, “seguramente”, mais do que durante os três anos do ensino secundário — e isto não é dizer pouco. Em 2011, o jovem da Maia entrou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) com 19,72 valores, a melhor média da instituição de ensino superior que teve, nesse ano, a nota de acesso mais elevada de Portugal. Foi tema de artigos na comunicação social, recebeu votos de parabéns e começou um novo capítulo num dos anos mais difíceis da história recente portuguesa. A “troika” já cá tinha chegado, Pedro Passos Coelho tinha substituído José Sócrates e o cinto já apertava. Não era altura para ser piegas.

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No primeiro mês do curso de Medicina, Diogo Magalhães estudou, “seguramente”, mais do que durante os três anos do ensino secundário — e isto não é dizer pouco. Em 2011, o jovem da Maia entrou na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) com 19,72 valores, a melhor média da instituição de ensino superior que teve, nesse ano, a nota de acesso mais elevada de Portugal. Foi tema de artigos na comunicação social, recebeu votos de parabéns e começou um novo capítulo num dos anos mais difíceis da história recente portuguesa. A “troika” já cá tinha chegado, Pedro Passos Coelho tinha substituído José Sócrates e o cinto já apertava. Não era altura para ser piegas.

Diogo soube que tinha ingressado com a média mais alta do país em Medicina no mês em que o P3 nasceu — Setembro de 2011. Tinha 17 anos e roçava, assim, as franjas da geração à rasca, aquela que saiu às ruas do país a gritar “Basta!” à crise política, social e económica. Agora, quando o P3 celebra o quinto aniversário, Diogo, com 22 anos, acaba de regressar de férias para arrancar o sexto ano do curso. “Há cinco anos, o mundo e a minha vida eram muito diferentes”, resume o futuro médico.

Depois do “grande choque” que foi deparar-se com outros níveis de exigência, ritmo e volume de matéria, entrou em velocidade de cruzeiro. O principal método que utilizava no secundário — “estar muito atento nas aulas” — era desajustado e a alternativa passou a ser “aprender quase exclusivamente a partir do estudo em casa”. Ter “espírito de sacrifício” passou a ser fundamental na vida pessoal e académica de Diogo, em consonância com o que foi pedido aos portugueses.

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Medicina já não é uma carreira com emprego garantido, mostram os números Regis Duvignau/Reuters

Na esplanada do bar da FMUP, Diogo Magalhães recorda a primeira vez que participou numa cirurgia. “Estava um bocadinho nervoso, ainda que não tenha tido um papel muito importante.” Quando nas urgências suturou uma lesão no couro cabeludo, as mãos “tremeram um bocadinho”. “Lembro-me perfeitamente da cabeça do senhor”, brinca, sem nunca perder a compostura. A maior responsabilidade chegará em 2017, quando tiver de decidir o que fazer como interno indiferenciado.

O jovem — que vive com os pais na Maia, a poucos minutos da faculdade onde estuda — confessa que “desaparece” em época de exames mas, contas feitas, até faz mais coisas hoje em dia do que fazia no ensino secundário. É mais activo socialmente, os tempos livres já não são passados em casa e “as horas de sono é que sofrem com isso”. Mas não lhe peçam para fazer directas a estudar: “Nunca fiz directa, não consigo. Estudar dá muito sono.” O facto de ter sido o primeiro aluno em 2011 não influenciou, garante, o percurso na faculdade. “Não encontro relação entre os melhores alunos do secundário e os melhores da faculdade”, faz questão de sublinhar. Há competências fundamentais que serão comuns, mas há mais além da nota de acesso.

O jantar em família coincide, por norma, com o telejornal e é sobretudo a partir desse momento televisivo que se informa. De resto, não vê televisão. A Internet também é uma escolha, a compra de jornais não faz parte da sua rotina, o “smartphone” anda sempre no bolso. Define-se como consciente politicamente e, desde que atingiu a maioridade, votou sempre. “Não tenho uma orientação política definida, voto pelo bom senso”, reflecte. “Umas vezes está num lado, outras noutro, no geral está no meio.” Prefere A Guerra dos Tronos a The Walking Dead, jogos de vídeo focados na estratégia e livros de ficção e fantasia. Trocou o atletismo do secundário pelo ginásio e é adepto do Futebol Clube do Porto.

Também as tomadas de posição sobre assuntos marcantes e fracturantes dos últimos anos deixam antever um jovem do seu tempo. Aborto? “A favor segundo as leis actuais, isto é, até às dez semanas livremente e a partir daí dependendo de algum parecer médico favorável por perigo para a mãe.” Casamento homossexual? Também a favor, bem como da adopção e co-adopção: “Não há razão para não se aprovar.” Eutanásia? Primeira hesitação: “Complicado… Deve ser legalizada, embora só após parecer multidisciplinar apertado. Acima de tudo, não devemos fazer mal às pessoas.”

Estudar Medicina já não garante emprego

“Estes foram cinco anos de grande desinvestimento em áreas que me tocam, como o ensino superior e o Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, comenta o também membro da associação de estudantes da FMUP. “Está na altura de mudar o paradigma, já vimos que a austeridade, por si só, não resulta.” Diogo acredita que o rumo pode ser mudado — até porque “desinvestir na educação nunca é a solução e só estamos a hipotecar o futuro do nosso país”.

Quanto ao SNS, que classifica como “um dos melhores do mundo”, é mais cauteloso. Imagina-se a trabalhar num hospital público e pensa que não se deve “perder o foco”: “uma assistência de saúde tendencialmente gratuita que não exclua ninguém pelo facto de não ter recursos económicos suficientes”. O mesmo padrão, defende, aplica-se à educação e à escola pública, que sempre frequentou (com excepção da primária). “E nunca senti que não tivesse condições para estudar.”

Não é possível falar de Portugal no período entre 2011 e 2016 sem abordar o desemprego e a emigração jovens. Procurar trabalho fora do país foi e é a solução para muitos, ainda que se configure uma “perda terrível”, diz Diogo. Desde 2010, com a “natureza assimétrica da chamada crise das dívidas soberanas e os efeitos recessivos das políticas de austeridade”, a emigração estabilizou na casa das 110 mil saídas por ano. Os dados são do Portuguese Emigration Factbook 2015, divulgado há alguns meses pelo Observatório da Emigração.

Se é verdade que Diogo nunca pensou em emigrar (até porque ainda não acabou o curso), também é certo que, há cinco anos, “não se falava em desemprego na medicina” — ainda que, em entrevista ao P3, em 2011, o bastonário da Ordem dos Médicos já tenha abordado a emigração de jovens médicos. “Actualmente é uma realidade e a tendência é para aumentar porque não há capacidade para formar todos os médicos que saem das faculdades portuguesas”, comenta o estudante da FMUP em harmonia com os dados disponíveis. Em 2015, 114 jovens médicos ficaram sem vagas para a especialidade; em 2016, o número subiu para 158. A pouco mais de um ano de distância do exame de acesso à especialidade, Diogo não tem certezas: oftalmologia e gastroenterologia ocupam, para já, o top das preferências.

O emprego “é complicado”, a formação é “exigente” e é preciso dar “sempre o nosso melhor”. Mas ser jovem com 22 anos no Portugal de 2016 “é, por um lado, fácil”. Em 2021, quando o P3 comemorar o 10.º aniversário, Diogo Magalhães estará a terminar a maratona que é a formação em Medicina. Vemo-nos lá.