Praças para o mundo

Continuaremos a precisar de gente que acredite em praças onde a humanidade se encontre. É uma boa crença.

Nova Iorque. Minoru Yamasaki, o arquiteto das Torres Gémeas atacadas a 11 de setembro de 2001, foi uma vez ridicularizado quando lhe perguntaram por que havia decidido fazer duas torres de 110 andares em vez de apenas uma com 220 andares. A resposta dele foi: “para preservar a escala humana”.

Hoje, caminhando em direção à Torre da Liberdade, que substituiu os edifícios destruídos, tenderia a dar razão a Yamasaki. Se fosse vivo, ele diria talvez que a nova torre se limita a ser mais um prédio muito alto numa cidade de prédios altíssimos – como era necessário ao brio com que se desejava refutar os terroristas. Mas falta-lhe a escala humana que era dada pelo espaço que Yamasaki conseguira libertar entre as torres para uma praça que descreveu na sua biografia como “uma Meca de tranquilidade na baixa de Manhattan”. Sim, leram bem, uma Meca.

Yamasaki teve uma vida tão fascinante como desconhecida e tão desconhecida como premonitória. Nasceu filho de imigrantes japoneses nos EUA e descobriu em jovem o que era ser tratado como terrorista no seu país (depois do Pearl Harbour, os nipo-americanos chegaram a ser detidos em campos de concentração; a família de Yamasaki salvou-se dessa sorte por pouco). Viu um seu projeto ser implodido por decisão política e refez a carreira trabalhando na Arábia Saudita – inclusive com Mohammed Bin Laden, pai de Osama – e viajando pelo Médio Oriente. No Irão viu a Mesquita do Xá em Isfahan, o edifício de que mais gostou. Fascinado pelas religiões, desenhou sinagogas (os seus amigos judeus brincavam dizendo que ele haveria de fundar um nova religião nipo-hebraica, o “judoísmo”). Numa fábrica onde trabalhou concebeu um altar rotativo para que toda a gente pudesse praticar aí a sua religião.

Que diria ele ao saber do que aqui aconteceu há quinze anos? Pergunto-me se o conseguiria conceber sequer: o cenário de apocalipse, as pessoas lançando-se para a sua morte. Pergunto-me o que diria ele dos anos que se seguiram, do “choque de civilizações” e da guerra, da islamofobia e do ricochete contra a globalização de que o seu prédio era um emblema tão arrojado quanto ingénuo: o restaurante do 106.º andar chamava-se “Janelas para o Mundo” e os dias nacionais eram comemorados na praça como numa ONU do comércio.

São dez e meia da manhã no Memorial do 11 de Setembro. Lá dentro, as famílias das vítimas, Obama e outros dignitários tentam dizer algo de adequado perante a tragédia. Cá fora, teóricos da conspiração distribuem folhetos e conversam com testemunhas de Jeová, turistas tiram fotografias, paroquianos penduram fitas brancas junto à Igreja de São Paulo, o edifício mais antigo de Manhattan. Todos tentamos fazer justiça às vítimas deste dia e dos seguintes, aqui e no resto do mundo. Ninguém consegue.

Desta nova era, temos oito anos de guerra apenas suplantados (mas não interrompidos) por oito anos de depressão financeira. Se a crise financeira se atenuar, voltaremos talvez à paranóia e intolerância dos primeiros anos. Continuaremos então a precisar de gente que acredite em praças onde a humanidade se encontre. É uma boa crença. Às vezes até funciona.

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