Lugar aos mais novos

O Presidente da República já anunciou que ficaria no poder apenas um mandato. É um gesto muito louvável.

Dei-me conta de que há quatro ex-Presidentes da República de boa saúde, a saber: Eanes, Soares, Sampaio e Cavaco. Acontece o mesmo em outros poucos países, em concreto nos Estados Unidos. Temos aí: Carter, Bush (Pai), Bill Clinton, Bush (Filho) e, dentro em breve, Obama. O espírito democrático está bem arraigado entre nós, respeitando as instituições e, sobretudo, a Constituição, apesar de todas as imperfeições que possa conter.

O Presidente da República já anunciou que ficaria no poder apenas um mandato. É um gesto muito louvável: trata-se de dar lugar ao ‘Senhor que se segue’, pois o incumbente não se deixa colar à cadeira do Poder. Se por algum motivo as democracias mais evoluídas impuseram um limite de dois mandatos, parece legítimo concluir que foi para evitar cargos ‘vitalícios’ e bom mesmo seria um só mandato, e o segundo como excepção apenas.

Ouvi aos colegas nos tempos da Universidade, mais metidos na política, comentarem que Salazar tinha frustrado ambições de muitos políticos, que quereriam ascender a cargos de topo, por ter ficado de pedra e cal por mais de 40 anos. Estar muito tempo, pode facilitar o trabalho, dar poder e domínio sobre os circuitos de mando. E, querendo, pode o incumbente ser reeleito indefinidamente, em especial quando o regime é de ‘liberdade condicionada’.

Os inconvenientes disso são muitos: os governantes também se estagnam, perdem flexibilidade e não entendem os novos tempos e exigências; além disso, por melhor que tenham governado, um novo dirigente pode ajudar a sarar mais depressa as feridas criadas pelas decisões do passado, fomentando a reconciliação, por não ter sido parte implicada.

Nalgumas situações poderá justificar-se ou ser ‘obrigatório’ fazer os dois mandatos, para não fugir às responsabilidades: seria claramente o caso de Eanes no tempo pós-revolucionário, com a democracia jovem e frágil e ‘alguns’ a verem o ‘cavalo do poder’ passar-lhes justinho à porta…

Vê-se que o Presidente Marcelo tem abundado em distribuir afecto. A sua Presidência inaugurou um novíssimo estilo de aproximação do cidadão, com presença nos acontecimentos de certa importância; muitos considerarão como banalização. E democratizou, muitos dirão popularizou, o reconhecimento dos bons serviços, com condecorações para as mais variadas modalidades e gostos, concedidas ao longo do ano todo, sem esperar por um qualquer dia ‘da raça’. Importa, na verdade, que haja muito reconhecimento; as pessoas motivam-se a continuar num elevado nível de prestação, excedendo-se no seu esforço.

A eleição por sufrágio universal para o alto cargo, para actuar em brevíssimos momentos de situação de pré-crise e pouco mais, é demasiado pobre e limitativa. Como o Presidente se sente bem talhado para o cargo, faz bem em intervir onde acha que é oportuno: eleva assim o tom e dignifica os acontecimentos. Se houver exageros já se autolimitará. Melhor mais que menos.

Além dos dotes de inteligência, parece bem preparado: Professor de Direito; comentador na TV, cresceu num ‘ambiente’ político... Tudo isto dá um certo à-vontade para se exprimir com propriedade; e ter um raciocínio arguto, rápido e treinado na geração de alternativas políticas e na sua avaliação, ao tratar-se de encarar situações-problema delicados…

Vivendo com intensidade o papel de Presidente, como o seu trabalho profissional diário, parece querer deixar uma nota de exigência para todo o cidadão, para que realize também o seu trabalho com dedicação, pondo entusiasmo, não só para merecer o seu salário, como para se realizar profissionalmente e desfrutar dele. Viver com empenho o serviço ao país, ou à sociedade, é esgotante; um mandato de cinco anos dá para fazer o importante do que cada um é capaz na idade madura. E convém pensar nos outros que estão à espera da sua vez e poderão, talvez, fazer ainda melhor. Carter e Bush (Pai), acima citados, foram para mim os melhores Presidentes dos EUA, daquele elenco referido; e foram os únicos do grupo com um só mandato.

Professor da AESE-Business School e Dirigente da AAPI-Ass. de Amizade Portugal-Índia

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