A história mal contada de Ponte de Sor

A não ser que nos deparemos com um milagre, este caso das agressões a Rúben Cavaco vai ser longo. Tão longo que, suspeito, até os incendiários das redes sociais o vão deixar na gaveta…

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Rui Gaudêncio

Primeiro, é preciso pôr os pés bem assentes na terra para olhar para o caso de Ponte de Sor com calma. O que se sabe até agora não permite grandes análises e muito menos conclusões. Sabe-se que um jovem de 15 anos foi agredido, que supostamente o foi por dois outros menores (estes de 17 anos) e que esses menos menores são filhos do embaixador do Iraque em Portugal. Mais do que isto, até ao momento em que escrevo estas linhas, são pouco mais do que suposições, mesmo que já haja testemunhos à Comunicação Social quer dos dois alegados agressores quer de uma suposta testemunha. Sabe-se, também, da presença da GNR no local em que o jovem de 15 anos, Rúben Cavaco de seu nome, foi encontrado e mais tarde socorrido.

Por mais sede de justiça que possa haver, esta não pode ser invocada com fins “justiceiros”. A Justiça (entendida como prática e exercício do que é de Direito) deve ter o seu tempo para decidir bem, aguardando por isso que a investigação em curso por parte do Ministério Público e da Polícia Judiciária seja concluída, sem pressões externas ou internas de qualquer índole. Mesmo que em causa estejam em primeiro lugar a agressão grave a Rúben Cavaco (está por apurar o autor/autores), um eventual crime de não prestação de auxílio (terão deixado Rúben Cavaco estendido no chão), a condução sem a respectiva habilitação legal (têm 17 anos) e a condução sob efeito do álcool (o teste deu 0,58, mas não houve flagrante delito).

Depois, e este é o ponto mais sensível de todos, há a questão do levantamento da imunidade diplomática. Segundo a Convenção de Viena (em pdf), entre inúmeros outros pontos, destaca que a pessoa do agente diplomático (leia-se diplomata, família e pessoal auxiliar) “não pode ser submetida a qualquer forma de prisão ou detenção”, conferindo-lhe praticamente total liberdade de movimentos no território de acolhimento. Ainda assim, mais à frente (art.º 31, ponto 4) adianta: “A imunidade de jurisdição de um agente diplomático no Estado de acolhimento não deve isentar este agente da jurisdição do Estado de acolhimento.” Ou seja, não pode estar acima da lei local.

Posto isto, as declarações dos filhos do embaixador do Iraque em Portugal (Haider e Ridha Ali), mesmo que feitas numa entrevista formal à SIC, valem o que valem. Para todos os efeitos, os dois menores estão protegidos por uma convenção internacional que os livra de interrogatórios policiais contra a sua vontade, não existem (que se saiba) flagrantes delitos (condução ilegal e sob o efeito do álcool), queixa dos próprios na GNR contra Rúben Cavaco (de quem dizem terem sido alvo de agressões anteriormente) e, também, qualquer relatório clínico que suporte a sua (dos filhos do embaixador) tese de terem sido “gravemente espancados” por seis pessoas.

Mais do que julgamentos precipitados, muito menos na praça pública, importa agora virar as atenções para o desenvolvimento político do caso. Claro que a diplomacia não vai agir sem antes conhecer as conclusões do Ministério Público e da Polícia Judiciária. E a não ser que nos deparemos com um milagre, este caso das agressões a Rúben Cavaco vai ser longo. Tão longo que, suspeito, até os incendiários das redes sociais o vão deixar na gaveta…

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