Um sismo em Amatrice, 400 anos depois

Sismo que atingiu o centro de Itália terá destruído metade de Amatrice e matou pelo menos 159 pessoas. Um terramoto em 1639 tinha já deitado por terra muitos edifícios desta pequena cidade do Lácio, onde há vestígios romanos, torres do século XIII e igrejas com mais de 500 anos.

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Uma das torres de Amatrice Emiliano Grillotti/Reuters

Amatrice, município da província de Rieti com 2800 habitantes, está entre as localidades mais afectadas pelo sismo que na madrugada deste quarta-feira atingiu o centro de Itália, matando pelo menos 159 pessoas. Este número foi actualizado ao final da noite.

Várias horas depois do terramoto, as equipas de busca e salvamento procuram ainda sobreviventes entre os escombros e as autoridades locais concentram-se agora em limpar as ruas para permitir a circulação de veículos e garantir o acesso a todas as zonas.

Segundo o canal de televisão Sky, a situação complica-se porque uma das pontes que fazem a ligação à cidade terá ruído. “Não há estradas de acesso à cidade. A povoação está praticamente isolada, por isso quem vier tem de encontrar uma via alternativa”, disse o presidente da câmara, Sergio Pirozzi, à estação italiana RAI. “Metade da cidade já não existe (…). O nosso principal objectivo agora é salvar o maior número de vidas possível. Há vozes sob os destroços, temos de salvar as pessoas.”

O dispositivo de socorro da Cruz Vermelha foi activado, mas a situação no terreno é complicada, admitiu ao canal o coordenador local, Giussepe Pignoli: “Há muitos, muitos danos.”

O primeiro-ministro italiano, Matteo Renzi, anunciou que vai visitar a região ainda esta quarta-feira e fez uma comunicação ao país através da televisão: “Ninguém vai ficar sozinho, nenhuma família, nenhuma comunidade, nenhum bairro. Temos de trabalhar para devolver a esperança a esta região, que foi tão fortemente abalada.”

O terramoto aconteceu de madrugada e, naturalmente, apanhou a esmagadora maioria das pessoas a dormir. Alguns conseguiram deixar as suas casas antes que estas caíssem por terra. Bombeiros, equipas cinotécnicas, forças especiais da polícia italiana, médicos e socorristas, militares, membros da protecção civil, funcionários da Cruz Vermelha e até guias de montanha percorrem os escombros à procura de sobreviventes e trabalham para libertar as ruas dos destroços das dezenas de edifícios que colapsaram. Há espaço para que os helicópteros de resgate aterrem, diz Pirozzi, mas os veículos de emergência médica e outros têm ainda dificuldade em circular. Ao hospital da cidade, também afectado pelo terramoto, chegam agora muitos feridos e o sangue escasseia, avança a agência de notícias Reuters. Muitos dos doentes foram retirados do edifício e alguns dos que chegam são assistidos na rua.

As réplicas do sismo de magnitude 6,2 na escala de Richter fizeram-se sentir em Roma, a 170 quilómetros de distância do epicentro, em Rieti, na região do Lácio. Rodeada de montanhas, Amatrice teme agora deslizamentos de terras que podem agravar uma situação já de si muito complicada.

O terramoto ocorreu a dez quilómetros de profundidade e foi mais sentido ao longo de uma região montanhosa no centro de Itália, atingindo principalmente as localidades de Amatrice, Accumoli e Arquata del Tronto, numa vasta área que inclui as regiões de Úmbria, Lácio e Marcas.

Algumas das localidades mais afectadas estão situadas em zonas remotas, pelo que o balanço oficial de vítimas mortais, feridos e desaparecidos deverá demorar ainda alguns dias a determinar. Numa primeira estimativa, a protecção civil avançou que em Accumoli e Amatrice morreram pelo menos 27 pessoas, e outras 11 morreram em Arquata del Tronto. A agência  de notícias ANSA avançou que só em Amatrice morreram pelo menos 35 pessoas, mais 17 na província de Ascoli Piceno, nas localidades de Arquata e Pescara del Tronto. Mas a contagem não parava de subir – a meio da tarde desta quarta-feira, a protecção civil dava conta de que o terramoto matou pelo menos 73 pessoas, mas o primeiro-ministro viria a fixar mais tarde o número em 120.

Depois das pessoas, o património

O centro de Amatrice, com todos os seus palácios dos séculos XVI e XVII e praças acolhedoras, ficou muito danificado. Como praticamente todos as cidades e vilas italianas, Amatrice tem edifícios históricos que importa proteger e cujo grau de destruição as autoridades não podem ainda avaliar.

As escavações arqueológicas que há décadas se têm vindo a fazer no município mostram que esta é uma zona ocupada desde a Pré-História e os vestígios de túmulos e outros edifícios romanos provam que teve alguma relevância até à queda do império do Ocidente. No século XIII fez parte do reino de Nápoles e nos dois seguintes entrou muitas vezes em conflito com cidades próximas, como Núrsia, também atingida pelo sismo, e Áquila, devastada no terramoto de 2009.

Mais tarde, Amatrice esteve ligada a duas das mais poderosas famílias da aristocracia italiana, os Orsini e os Médicis, que a mantiveram no seu círculo de influência até ao final da primeira metade do século XVIII. É natural, no entanto, que boa parte do património edificado da cidade anterior a este período tivesse já desaparecido, uma vez que Amatrice foi atingida por um sismo de magnitude semelhante em 1639, também de madrugada, recorda o diário italiano La Repubblica, fazendo referência à crónica da época que dá conta da "morte de muitas pessoas" na sequência de um "terramoto terrível e assustador".

Com um património cultural e natural de relevo, Amatrice está longe de ser conhecida apenas pelo seu molho especial para pasta (o sugo all’amatriciana, uma das receitas para massas mais populares do mundo, garantem os italianos), que esta semana deveria ser a estrela do festival gastronómico da cidade. Entrou em 2015 para o clube das “pequenas cidades mais belas de Itália” – criado em 2001 e que hoje integra 244 localidades, escreve o diário espanhol El Mundo – e é procurada por muitos turistas que gostam de juntar as caminhadas ao património histórico. Estando no coração da cordilheira dos Apeninos e inserida no Parque Nacional de Gran Sasso e Monti della Laga, um dos maiores de Itália (inclui o Monte Gorzano, o mais alto do Lácio, com 2458 metros), Amatrice está repleta de ruas estreitas que desembocam em pequenas praças cheias de esplanadas e osterias, onde são comuns os edifícios barrocos e renascentistas.

É ainda prematuro falar sobre o impacto do sismo no património desta cidade em que se destaca uma torre do século XIII, de uso cívico e não religioso, e várias igrejas que testemunham a importância de Amatrice na Idade Média e no Renascimento: a de Santo Agostinho (século XV), com o seu portal gótico e frescos no interior, incluindo o da Anunciação e o da Virgem com o Menino e Anjos; a de Santo Emídio (XV), com a sua torre sineira; e a de S. Francisco, da segunda metade do século XIV, também com um portal gótico, este de mármore, e pinturas murais do século XV na abside.

Em 2009, um sismo de magnitude 6,3 atingiu a mesma região e matou mais de 300 pessoas. Boa parte de Áquila, cidade de grande valor histórico 90 quilómetros a sul do terramoto desta madrugada, ficou destruída. Em 1997, um outro sismo tinha já provocado uma dúzia de mortes e danificado uma das jóias do património da região da Úmbria, a Basílica de S. Francisco, em Assis, casa de uma série de frescos inestimáveis de Giotto. Os frades franciscanos responsáveis por este monumento do século XIII classificado pela UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) desde 2000 fizeram já saber que não há danos a registar na sequência dos abalos desta quarta-feira.

Segundo os jornais italianos, as cidades mais afectadas, além de Amatrice, foram Accumoli, também na província de Rieti; Núrsia, na de Perugia, e Arquata del Tronto, na região de Marcas.

Entre o património arquitectónico de Accumoli, que tem só 700 habitantes, há a destacar uma torre do século XII, única no seu género em toda a região; e os palácios Del Guasto (século XV) e Cappello, este último um edifício de cinco andares, construído no século XVII.

Núrsia, com 5000 habitantes, é conhecida pelo seu rico património religioso e civil mas também, e sobretudo, por ser a terra onde nasceu S. Bento, fundador dos beneditinos, uma das ordens monásticas mais importantes da Europa, venerado por católicos e ortodoxos. É precisamente a Basílica de São Bento o monumento que mais turistas atrai na praça principal da cidade, onde merecem destaque outros edifícios do Renascimento e o palácio do século XIII que hoje serve de sede à autarquia. A basílica e o palácio foram já restaurados em várias ocasiões devido a terramotos, o mais grave dos quais em 1859. O mesmo aconteceu às igrejas de São Francisco, um edifício gótico que tem no seu interior importantes frescos do século XV e XVI, e de Santa Maria, originalmente erguida no século XVI sobre um templo dedicado à deusa Fortuna, mas que foi reconstruída no século XVIII.

A divisão da polícia italiana especializada em arte e antiguidades – o Comando Carabinieri Tutela Patrimonio Culturale – está a inspeccionar as localidades atingidas, anunciou o ministro da Cultura, noticia o Art Newspaper. Os agentes garantirão a segurança dos edifícios atingidos, procurando evitar roubos. Quinta-feira, o gabinete de crise do Ministério da Cultura vai reunir-se para decidir que medidas adoptar para proteger o património nas regiões do Lácio, da Úmbria e de Marcas.

 

 

 

 

 

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