Faltou uma medalha olímpica a Márton Szivos, mas o pai e o avô ganharam-nas por ele

Ainda não foi desta que a Hungria conseguiu recuperar o título olímpico do pólo aquático masculino, em que é a grande dominadora e com grande contribuição de uma família em especial.

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Márton Szivos vê o seu pai mostrar-lhe fotos do seu avô, todos eles atletas olímpicos de pólo aquático /Laszlo Balogh /Reuters

Tal como a Nova Zelândia é sinónimo de râguebi, ou o Quénia e a Etiópia no que diz respeito ao fundo e meio-fundo no atletismo, a Hungria é a referência histórica no que diz respeito ao pólo aquático, mas algo se tem passado nas duas últimas edições do torneio olímpico, em que nem uma medalha conquistaram, o que pode ser considerado crise para quem já ganhou por nove vezes, mais três medalhas de prata e outras tantas de bronze. Nesta sexta-feira, os magiares falharam o pódio no Rio de Janeiro, o que quer dizer que, para além do jejum da equipa, Márton Szivos vai continuar sem uma medalha olímpica, ele que já conta com quase 300 internacionalizações pela Hungria. Mas a sua família tem uma longa tradição no polo aquático e as medalhas olímpicas acumuladas por várias gerações do clã Szivos são mais que muitas.

Será caso raro no desporto mundial o que acontece com três gerações da família Szivos a marcarem durante várias décadas o pólo aquático da Hungria. Começou com Istvan Szivos Sénior, continuou com Istvan Szivos Júnior e prossegue com Márton. Pai e filho têm, entre si, oito medalhas olímpicas (três delas de ouro), o neto ainda não conseguiu nenhuma em duas participações (2012 e 2016), precisamente o tempo de jejum dos húngaros no torneio olímpico – tinham ganho as três últimas edições. Mas não é por isso que Szivos pai deixa de ter orgulho em Márton.

“Ele é um grande desportista e sinto muito orgulho dele. Não espero que ele ganhe, basta-me que ele se sinta bem. Ele já ganhou tanta coisa, se conseguir o ouro, será uma forma brilhante de coroar a carreira”, conta ao PÚBLICO Istvan Szivos Jr., numa conversa por e-mail, ainda antes de se saber o destino da Hungria no pólo aquático olímpico. Ele é que tem histórias de sucesso, dele próprio e do pai, Szivos Sr., que participou naquele que será, provavelmente, o mais famoso jogo de pólo aquático de sempre, nos Jogos de Melbourne em 1956, entre a Hungria e a União Soviética, conhecido para a história como “sangue na água”.

Este é um jogo que precisa de contexto histórico. Em 1956, a Hungria era um país que estava na esfera de influência soviética, uma situação que começou a mudar em Outubro desse, ano, primeiro com uma manifestação em massa de estudantes. A contestação cresceu ao ponto de se formarem milícias para acabar com o controlo soviético, mas, em poucos dias, a revolta foi aniquilada pelo exército vermelho no início de Novembro. Nesta altura, a equipa de polo aquático estava em estágio para preparar os Jogos de Melbourne que seriam em Dezembro, e foi deslocada para a Checoslováquia.

Só quando chegaram à Austrália é que os jogadores se aperceberam exactamente do que tinha acontecido em casa. No torneio olímpico, tanto Hungria como URSS avançaram até à fase final e defrontaram-se na penúltima jornada, os húngaros invictos, os soviéticos já com uma derrota e a precisar de ganhar. O contexto político dava toda uma carga a este jogo para lá do confronto desportivo. ”A Hungria era a grande favorita a ganhar este jogo e o que se passava no país fazia com que atmosfera fosse particularmente conflituosa”, conta Szivos. Os húngaros ganharam facilmente por 4-0, mas foi um jogo muito físico que foi dado como terminado com cerca de um minuto para jogar e correram mundo as imagens dos jogadores a sangrar.

Daqui veio o nome digno de um filme de terror, “Sangue na água”. Mas as descrições da piscina ter ficado vermelha de sangue foram manifestamente exageradas. “Muito já foi escrito sobre isto e as imagens estão na internet. Sobre o sangue na água, por exemplo, é interessante referir que as lesões não foram assim tão graves como pareciam. Isto acontece muitas vezes no pólo aquático, só que isto era um jogo entre húngaros e soviéticos”, diz Szivos, que se mantém ligado à federação húngara como coordenador das selecções jovens.

Alguns jogadores húngaros aproveitaram os Jogos de Melbourne para fugir. Não foi o caso de Istvan Szivos. “O meu pai estava entre aqueles que nunca abandonariam as suas famílias em quaisquer circunstâncias. Eu era uma criança e tenho poucas memórias do que aconteceu, mas tenho a certeza que isso nunca passou pela cabeça do meu pai”, recorda Szivos, que numa entrevista à Reuters em 2008 partilhara mais algumas dessas poucas recordações: “A minha memória de 1956 é que estava a ouvir rádio num abrigo anti-bomba. Esperámos que o meu pai regressasse de comboio no meio de uma grande multidão, mas não tínhamos propriamente uma casa para regressar porque tinha sido bombardeada.”

A Hungria ficaria com o título olímpico e o triunfo deu alguma sensação de orgulho a uma nação que vibra com conquistas desportistas, com o extra de ter sido contra a União Soviética. “Milhares de pessoas saíram à rua quando a Hungria empatou com Portugal no Euro 2016. Imagine como foi o sucesso olímpico contra os soviéticos em 1956.”

Istvan Szivos Jr. conta com pouco detalhe as aventuras olímpicas do pai, mas ele próprio tem muitas histórias para contar pelas quatro vezes que andou pelos Jogos Olímpicos. Os seus primeiros foram na Cidade do México em 1968, marcados por enorme instabilidade social e política, e quatro anos depois, Szivos esteve em Munique 1972, uns Jogos tristemente célebres pelo ataque do Setembro Negro à comitiva de Israel. “A tragédia aconteceu mesmo por baixo do local onde a comitiva húngara estava alojada, mesmo ao pé de nós. Tudo mudou depois de 1972. Antes, os Jogos Olímpicos tinham a ver com paz, falava-se de amizade e, apesar de ainda ser assim, é deprimente ver dezenas de milhares de soldados a guardar os desportistas.”

Oito anos depois, Szivos foi o porta-bandeira da delegação húngara nos Jogos de Moscovo, os que sofreram com um boicote generalizado das nações ocidentais. Simbolicamente, foi um momento marcante da sua carreira olímpica, desportivamente, nem tanto, porque, desta vez, a Hungria perdeu com a União Soviética e ficou-se pelo bronze. “A minha memória mais forte de Moscovo foi ter levado a bandeira da Hungria na cerimónia de abertura. Mas esses Jogos não foram especiais. Perdemos por um golo, mas os soviéticos tinham uma boa equipa. Ainda assim, todas as medalhas são sempre grandes resultados”, considera Szivos, que terminou em Moscovo a sua carreira internacional.

Numa família com tanta tradição, era inevitável que Márton também fosse jogador de pólo, mas não foi por pressão familiar, como já não havia sido na geração anterior, garante Istvan Szivos Jr.: “Nunca o obriguei a jogar pólo, assim como o meu pai também nunca me obrigou.”

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