IMI e sua metamorfose

Quem define o que é de facto uma vista privilegiada? O que um técnico considere privilégio, outro achará que de regalia não tem nada. O valor das propriedades é relativo.

Foto
Nuno Silva/Unsplash

Eu percebo bolinha de politiquices e menos infinito de economias e cenas. Tal, não é impeditivo ao espírito crítico do meu ser perante o que os media decidem anunciar.

Pois bem, eis que li algures que haverá uma mudança na fórmula de cálculo do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI), estando este sujeito a um aumento nas habitações com maior exposição solar ou vista privilegiada. Porém, se o proprietário tiver como vizinho uma estância para o descanso eterno ou uma estação de tratamento de águas residuais (ETARs), o cenário inverte-se.

O que será reformulado é o que eles chamam de coeficiente de "localização e operacionalidade relativas" o que, para os leigos na matéria, contabiliza a qualidade e o conforto associados à localização do imóvel. Escrutinando a situação, meus amigos, é o seguinte: o processo estará dependente da previsão metereológica à data da inspecção, do estado de espírito do avaliador e da subjetividade do seu discernimento na questão.

Ora vejamos, se estiver um sol maravilhoso no dia da dita apreciação (chiça penico), preparem-se que verão a vossa "multa" camarária aumentada. Agora é que a malta inverte a reza e começa a suspirar por tempo nublado. Mais, se o proprietário teve a inteligência de construir ou adquirir uma casa com janelas viradas a sul, pagou pelas mesmas e possívelmente pediu um empréstimo ao banco para tal, dívida essa que está longe de liquidada, verá acrescido a isso o incremento na coima anual, de pagamento obrigatório e, cuja existência é uma forma de engordar o porquinho mealheiro dos municípios. É a vida. Pagar pela iluminação celestial, considero um tanto ou quanto rebuscado, todavia podia ser pior, imaginem quem mora no Alasca e tem luz solar durante 24 horas, pois. Mas foquemo-nos em Portugal.

Da claridade à paisagem. Mas afinal o que é uma vista privilegiada? Hectares de cenário campestre, de quadro citadino ou de, simplesmente, o quintal do vizinho que deveria ser considerado património nacional de tão bem ajardinado que está? Enquanto uns poderão ver cruzes no horizonte (literalmente) e torcer o nariz, outros considerá-las-ão a vizinhança ideal (não há cá música em altos berros às tantas da noite, ou batuques incomodativos: se for esse o caso, apressem-se a ligar ao coveiro). Gostos não se discutem.

Até se compreende o incómodo que é morar num sítio envolto num pivete não disfarçável e que nos submete o pensamento para a retrete, principalmente se a ETAR em questão tiver sido construída após o proprietário da habitação anexa a ter adquirido. Localização e operacionalidade são ambos importantes e se estiverem de acordo com as preferências do proprietário, óptimo. O que é realmente essencial numa habitação são as condições da casa em si, a funcionalidade, a área, caramba, até a decoração, tudo isto são coisas que influenciam o estado de espírito dos habitantes e de suas visitas.

Como é que se desvaloriza um imóvel sem janelas perante outro com entrada de luz solar? Lá por não ser um complexo iluminado, não quer dizer que não seja uma casa espetacular e cobiçada por muitos. E quem define o que é de facto uma vista privilegiada? O que um técnico considere privilégio, outro achará que de regalia não tem nada. O valor das propriedades é relativo.

A subjectividade desta metamorfose na regulamentação municipal é deveras assustadora e porventura prejudicial aos contribuintes. Trata-se de uma medida com o propósito majoritário de aumentar os cofres municipais à custa do povo, que trabalha diariamente no sentido de abater a própria dívida e, como se já não bastasse, do seu país. É tornar um passivo particular num (suposto) activo camarário. Funcionamos num regime de tapa buracos.

Mas como já disse, eu percebo bolinha de politiquices e menos infinito de economias e cenas.

Sugerir correcção
Comentar