Ilhas Selvagens e o politicamente construtivo

A relação entre um território conquistado e a sua ocupação é histórica. Contextualizar esta relação com um olhar actual é um dos objectivos da equipa de arquitectos

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Vencedor do Concurso temático "Duas Casas nas Ilhas Selvagens", lançado no âmbito do "Programa escolha-arquitectura", o PONTO Atelier (Vasco Tomás, Ana Pedro Ferreira, Pedro Ribeiro, José Gustavo Freitas) viu-se com duas questões: construir num território distante, e a importância política de ocupação desta paisagem.

A resposta à primeira pergunta valeu-lhes o primeiro prémio do concurso. A procura pela decifração à segunda demonstra o interesse e o rigor da investigação levada a cabo por este atelier. No dia 27 de Junho foi anunciado, pela Ordem dos Arquitectos, que as casas nas Ilhas Selvagens poderão vir a ser construídas. Do concurso à obra muitas coisas se transfiguram, mas a solução construtiva parece ser consensual pela equipa de técnicos envolvidos.

. da construção

A ambição arquitectónica é baseada na durabilidade material, justificada a partir de um registo fotográfico da construção existente em betão na Selvagem Grande, datada de 1967. Esta edificação permitiu o enquadramento conceptual, relacionando a profunda dureza do lugar e a materialidade construtiva: betão. Elemento conciliador entre abrigo e basalto, numa poética espacial que se traduz numa oposição dos espaços diurnos laborais, e os espaços noctívagos contidos. O alpendre, espaço central que reúne estes dois universos amplia a relação com o horizonte, incrementando a experiência do habitar essencial num território severo.

A construção será realizada "in-situ", devido à imprevisibilidade construtiva e à dificuldade de deslocamento dos materiais entre o barco e as ilhas, criada pelo enorme banco de areia existente, que impossibilitam a construção com materiais pré-fabricados.

. da ocupação

A relação entre um território conquistado e a sua ocupação é histórica. Contextualizar esta relação com um olhar actual é um dos objectivos da equipa de arquitectos.

A ocupação das Selvagens está ligada aos Descobrimentos, mas também ao arquipélago das Canárias, irmãs geológicas que impulsionaram o conflito atlântico. Sendo um ponto charneira, as Selvagens foram a escolha política dos portugueses. Vestígios arqueológicos demonstram que a ocupação nas Selvagens só aconteceu após os Descobrimentos, ao contrário das Canárias, que pela proximidade à costa teriam ocupação muito anterior e viriam a ser ocupadas pelos espanhóis.

A ligação à ilha da Madeira provém da caça às aves migratórias, que a família Zino, põe fim, reconhecendo o valor ecológico das ilhas. Estas tornam-se, em 1971, a primeira Reserva Natural em Portugal e são ocupadas por vigilantes-militares. A delicada situação actual surge de uma ausência dinâmica e pelas precárias condições destes vigilantes, mas é a área marítima exclusiva o centro da questão. O cruzamento de ambas as áreas (Selvagens e Canárias) e a falta de reconhecimento dos espanhóis das Selvagens como ilhas, geram um conflito que se pretende clarificar. Activar esta dinâmica, impulsionar o turismo científico e clarificar a área marítima exclusiva são os objectivos políticos deste concurso.

Confrontando com a proposta vencedora, percebemos que a topografia distinta das duas ilhas provocou também ocupações divergentes. O abrigo na Selvagem Grande recolhe-se para observar, enquanto na Selvagem Pequena, surge uma cobertura piramidal, ponto referencial, para ser observada. Aspiração política de uma ocupação perene materializada em arquitectura, no território mais a Sul de Portugal.

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