O último resistente

A violenta queda sofrida logo na primeira etapa obrigou Michael Morkov a recalibrar o plano. Mas não foi suficiente para desistir.

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Morkov, à direita, a tentar retomar a marcha depois da queda KENZO TRIBOUILLARD/AFP

Pelo sétimo dia consecutivo, Michael Morkov cortou a linha de meta com a ameaça do carro-vassoura nas suas costas. Tem sido assim desde a assustadora queda no final da primeira etapa, provocada pela câmara de um espectador, que lhe tocou quando estava em pleno lançamento do sprint de Alexander Kristoff, a mais de 60 km/h. Cada dia, é o primeiro a descolar – por vezes, até o único – e o último a chegar, depois de pedalar quilómetros e quilómetros em solitário, sem vislumbrar o pelotão.

Com o estatuto de lanterna-vermelha como um dado adquirido, atrevemo-nos a pensar que, a esta altura, o ciclista dinamarquês da Katusha e Alain Daniel, o condutor do carro que encerra a caravana – e que recolhe os desistentes – já se tenham tornado amigos. “Tenho conduzido atrás dele todos os dias”. Em cada etapa que se seguiu à sua espectacular queda, Morkov descolou do pelotão nos últimos 25 quilómetros. No entanto, no carrossel da quinta tirada, Alain Daniel pensou que o corajoso dinamarquês estava de saída do Tour. “Ele ficou para trás muito cedo e teve de esforçar-se muito para chegar dentro do controlo. Com todas as subidas, foi realmente complicado. Durante um momento, conseguiu ficar no grupetto, mas no Col de Perthus simplesmente não aguentou mais. Ainda assim, chegou dentro do tempo. Estou feliz por ele. Espero que melhore e que se volte a sentir um ciclista”.

O corredor da Katusha conquistou a admiração de Alain Daniel, o homem que está habituado a testemunhar grandes episódios de resistência na Grande Boucle (e também o seu oposto), mas não só. “Tem sido um Tour dificílimo. Estava bem preparado para a corrida, mas a queda na primeira etapa mudou tudo. Estou a debater-me com dificuldades desde então”, assumiu à Peloton Magazine. Uma contusão severa na coxa direita, que o impede de andar, seria um argumento mais do que convincente para o ciclista de Kokkedal, de 31 anos, desistir. “Este é o Tour. Trabalhei para aqui estar durante um ano. Não vou desistir. Vou continuar a lutar o maior tempo possível. Pode chegar um dia que eu tenha de abandonar, mas tenho de tentar”.

Contratado pela Katusha para formar o comboio de lançamento de Alexander Kristoff, este especialista em provas de seis dias, que durante praticamente toda a sua carreira representou as diversas variantes da Saxo Bank (2009-2015), conquistou um lugar no Tour por méritos próprios e não está disposto a abdicar dele. A explicação é simples: em dez anos de carreira, esta é apenas a sua terceira participação na prova rainha do calendário velocipédico (as outras foram em 2012 e 2014) e a sexta presença numa grande Volta. Ironicamente, foi numa dessas raras presenças que deixou de ser mais um no pelotão para, com a camisola de campeão nacional vestida, se tornar no vencedor da sexta etapa da Vuelta2013.

Hoje, Morkov vive o seu segundo momento de protagonismo numa das grandes do ciclismo, embora seja o último da geral, a 1h38m25s. “É a primeira vez que estou a tentar ser lanterna-vermelha. A maioria das vezes, tento não ser o último. Agora, estou apenas a tentar sobreviver”. 

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