O que o País de Gales andou para aqui chegar

Depois de eliminada pelo Brasil de Pelé no Mundial de 1958, a selecção galesa voltou a fazer figura numa grande competição.

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Giggs e Bale ainda coincidiram na selecção do País de Gales entre 2006 e 2007 Eddie Keogh/Reuters

Não fosse a FIFA ter criado uma regra de última hora e o Mundial de 1958, na Suécia, teria tido uma selecção qualificada sem ter jogado um único minuto. Na zona africana-asiática de qualificação, que dava apenas um lugar, Israel avançou sem ter dado um pontapé na bola porque todos os seus adversários (Turquia, Egipto, Indonésia e Sudão) se recusaram a jogar com eles. Nestas circunstâncias, a FIFA criou um “play-off” a duas mãos entre Israel e um repescado da Europa, que foi sorteado a tirar papéis do troféu Jules Rimet. Saiu primeiro a Bélgica, que recusou o lugar. O segundo papel retirado tinha País de Gales escrito

Os galeses aceitaram o desafio, venceram os dois jogos com Israel e avançaram para aquela que seria, até este Euro 2016, a sua única presença em fases finais de grandes torneios de selecções. Na Suécia, chegariam aos quartos-de-final com três empates na fase de grupos e apenas caíram frente ao Brasil com um magro 1-0 por obra de Pelé. Passaram 58 anos, o País de Gales voltou e está a navegar em território desconhecido já que esta é a sua primeira presença em fases finais de um campeonato da Europa.

Gareth Bale, um dos melhores jogadores do mundo, lidera a armada galesa, mas o País de Gales sempre teve jogadores de classe mundial – Neville Southall, Ian Rush, Mark Hughes, Ryan Giggs – e, apesar de ter estado perto em algumas campanhas de qualificação, nunca foi a lado nenhum. Ninguém discute os méritos do seleccionador Chris Coleman, que fez deste País de Gales uma selecção vencedora, mas há dois nomes incontornáveis que ajudam a explicar a campanha galesa, os seus dois antecessores no cargo, um pelo trabalho de base, o outro pelo aspecto emocional: John Toschack e Gary Speed.

Ser seleccionador do País de Gales dará mais trabalho que ser seleccionador de boa parte das selecções europeias. A base de recrutamento não é assim tão grande como isso – Gales tem cerca de três milhões de habitantes – e os campeonatos internos são pouco competitivos – as melhores equipas, como o Swansea e o Cardiff, jogam nas competições inglesas, e o país está em 51.º (em 54) nos coeficientes da UEFA. O melhor que os galeses podem fazer é fazer prospecção pela diáspora galesa no Reino Unido, já que todos os bons valores vão, desde cedo, ou para os dois “grandes” galeses (Cardiff e Swansea), ou para clubes ingleses – nem nos sub-21 de Gales há jogadores da liga galesa.

Foi este trabalho de prospecção apurada que John Toschack fez quando foi seleccionador galês entre 2004 e 2010. Em entrevista recente ao Daily Mail, o antigo treinador do Sporting recorda que foi ver, por exemplo, Ashley Williams, o capitão da selecção de Gales, num jogo da terceira divisão inglesa. “Ele tinha uma avó galesa e eu fui vê-lo num Stockport-Hereford. Mas tive de sair ao intervalo porque tinha de chegar a tempo de ver um Cardiff-Sheffield United, onde estava o Joe Ledley”, recorda Toschack, actual treinador do marroquino WAC de Casablanca.

Williams e Ledley são apenas dois dos 14 jogadores da selecção galesa promovidos por Toschack. O mais famoso é Gareth Bale, que ainda só tem 26 anos, mas que já joga na selecção desde 2006, internacional com 16 anos e 315 dias de idade num particular contra Trindade e Tobago em que fez uma assistência para golo. Antes de ser um “galáctico” em Madrid, Bale fez o que muitos jovens galeses aspirantes a futebolistas fizeram. Foi jogar para Inglaterra, aterrando aos 13 anos no Southampton, e, três anos depois, já marcava na Premier League e na selecção. Toschack admite que teve algumas dúvidas em relação a Bale no início: “Tenho de ser honesto, não tinha a certeza. Mas o Flynny [Brian Flynn, o treinador dos sub-21] via qualquer coisa de especial nele e tinha razão. Olhem para ele agora, um jogador completo.”

Toschack lançou as bases, mas não conheu os frutos. Em 2010, quando saiu, a selecção galesa ocupava uma das piores posições de sempre no “ranking” FIFA, um 112.º (está, actualmente, em 26.º). Flynn, o homem dos sub-21, assumiu temporariamente o comando (por dois jogos) até à nomeação de Gary Speed, uma lenda do futebol galês, médio todo-o-terreno com enorme espírito de liderança e segundo mais internacional de sempre pela sua selecção (85 jogos e sete golos).

Com Speed no banco, Gales teve uma subida meteórica nos “rankings”, chegando ao 45.º posto. Não conseguiu chegar ao Euro 2012, mas os sinais eram muito promissores e parecia estar a encontrar a fórmula certa para encaixar na mesma equipa os jovens talentosos Aaron Ramsey e Joe Allen e rentabilizar Gareth Bale ao máximo. Speed era o homem certo no lugar certo, mas a tragédia aconteceu. A 27 de Novembro de 2011, Speed foi encontrado morto na garagem de sua casa, enforcado.

Speed, de 42 anos, sofria de um mal que a sua natureza de líder mascarava, a depressão, e Chris Coleman, seu amigo de décadas, teve de assumir o lugar, fazendo justiça ao seu legado. Passando, ou não, à final, Coleman, também ele um antigo internacional galês com experiência de Premier League (como jogador e treinador), será sempre o herói, mas ele também será o primeiro a lembrar Gary Speed. “Não penso nele de vez em quando”, diz Coleman. “Estou sempre a pensar nele.”

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