Três ideias sobre como integrar um recém-nascido numa família onde o cão é o dono da casa

Este título é uma ousadia, não é uma fórmula de sucesso. A boa notícia é que não é necessário dar o animal, como ouvi a determinada altura

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Quando soube que estava grávida da Camila, a Bigas, a Shar Pei que habita há cinco anos esta casa, teve que ser reeducada – sendo que a educação dela foi um fracasso desde sempre, pelo que já não seria expectável qualquer êxito.

A Bigas dormia no quarto connosco, na sua própria almofada e sobre um não menos confortável tapete – esqueçamos aquele primeiro ano de vida passado quase em exclusivo a ressonar em cima dos nossos pés.

Ao quarto mês de gravidez, e por conselho do veterinário, remetemo-la para outra divisão da casa – no caso, o escritório – não só porque eu tinha uma sinusite alérgica a agravar-se a cada dia, como, e acima de tudo, porque a bebé, quando nascesse, devia poder respirar num ambiente o mais imaculado possível.

As primeiras noites foram memoráveis de tão más. A Bigas é a dona do pedaço e de todos os pedaços onde se move. Resultado: ao Aerius juntei o Ben-u-Ron de forma a diminuir as dores de cabeça de quem acorda a cada meia hora estremunhada com o barulho de ganidos e de unhas cravejadas na porta. “Com o tempo há-de habituar-se”, pensava. E assim foi: a normalidade voltou a reinar ao fim de poucos dias. Como trabalhava todo o dia em casa e a Bigas fazia parte desse trabalho, a nossa relação não se ressentiu minimamente. Parecia, aliás, inquebrantável... até chegar verdadeiramente a Camila.

O regresso a casa

Gerir um comovente regresso a casa com a responsabilidade de criar uma filha, a privação de sono e a explosão de emoções contrastantes (ora de felicidade, ora de tristeza e medo) era mais do que suficiente para desordenar qualquer corpo, quanto mais juntar ao cocktail o sofrimento de um animal tão querido.

A primeira semana foi aterradora. Os chacras deviam estar todos desalinhados ou migraram com o susto e as alterações hormonais do pós-parto fizeram-se sentir em força. A Bigas, no epicentro deste furacão, não percebia nada. Não dormia de noite (a porta do quarto que o diga) e de dia era exímia a ignorar-me. Precisava de muita atenção e eu só tinha vontade de chorar e de dormir (nem sequer os dois podia fazer ao mesmo tempo). O que resultou?

1. O convívio com a recém-nascida: ver, cheirar e tocar (de notar uma preferência inata da cadela em impregnar o nariz na fralda suja) são verbos que se devem conjugar com frequência durante este processo. De evitar apenas o toque focinho-cara;

2. O esbatimento de fronteiras: não há espaços interditos para a Bigas além do quarto onde ela já sabia que não podia entrar (desde a gravidez, pelo que ela não associa directamente ao bebé). Como não é um dado novo, permanecemos assim. Em todas as outras divisões da casa, continua a ser bem-vinda;

3. Agir com naturalidade e manter os velhos hábitos: mesmo que os primeiros dias sejam avassaladores, nenhum cão compreende porque deixou, de repente, de ser o centro das atenções. A rotina confere-lhes estabilidade emocional. Passear, conversar, mimar, alimentar não são tarefas opcionais, são prioridades. Não é, como digo, uma poção mágica, mas reverteu em boa medida a minha angústia. Agora mesmo, enquanto escrevo e a cria dorme, a Bigas está aqui ao lado com os meus pés de veludo a massajar-lhe o pêlo.

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