O dia em que se completou um projecto

Já vai longa a caminhada desde o dia em que Luís Filipe Vieira entrou para a restrita galeria de presidentes do Benfica. Foi a 3 de Novembro de 2003 que o membro da anterior direcção, liderada por Manuel Vilarinho, assumiu os destinos de um clube que procurava terra firme para se reerguer depois de anos desportiva e financeiramente cinzentos. As prioridades foram hierarquizadas de imediato: reequilibrar as contas, recuperar património e reentrar de forma permanente na luta pelos títulos. A este tríptico de objectivos juntar-se-ia um outro, numa espécie de parêntesis a acrescentar à conquista de troféus: consegui-lo com um forte contributo do talento da academia. Está cumprido.

Durante os primeiros anos de mandato, Vieira insistiu no discurso do abismo. Recuperou o passado nebuloso do clube, ilustrado pela liderança de Vale e Azevedo, martelou os números do passivo e a venda de património ao desbarato. Estava a fazer terraplenagem para a fase inicial de um projecto que previa ser longo: a reestruturação financeira. Tido como negociador implacável, o empresário foi renegociando dívidas junto da banca e pagando aos credores, ao mesmo tempo que tentava manter o plantel nos mínimos competitivos, com Simão Sabrosa, Nuno Gomes e Miguel como expoentes máximos.

A conquista da Taça de Portugal, em 2004, deu alento aos adeptos e alimentou expectativas de uma rápida retoma de títulos. Mas Vieira sabia que essa consolidação estava longe. O segundo capítulo do seu projecto voltava-se para as infra-estruturas e o novo Estádio da Luz era apenas a primeira. Em Setembro de 2006, nascia a menina dos olhos do presidente, a academia do Seixal, a base dos escalões de formação e de um projecto a médio/longo prazo. Apesar das obras de ampliação do centro de treinos, o dossier património ficaria completo em 2013, aquando da inauguração do Museu Cosme Damião.

Por essa altura, já estava também em marcha a fase três do legado de Vieira. O investimento no plantel chegara em força anos antes, com reforços como Aimar, Ramires, Saviola ou Di María e um treinador que conhecia os cantos ao futebol português. Foi com Jorge Jesus – e mais tarde com outras contratações de peso como Salvio, Witsel ou Garay – que o Benfica regressou aos títulos de forma permanente, num registo que incluiu também duas presenças na final da Liga Europa.

Faltava, agora, a cereja no topo do bolo. Faltava a rentabilização do esforço financeiro canalizado para o Seixal. Para esse salto, entendeu a direcção que Jesus não era o homem certo e que o lugar certo deveria ser ocupado por Rui Vitória. Com a mudança chegou a incerteza entre os adeptos e a desconfiança da praxe. Mas a auto-estima “encarnada” foi subindo à custa das arrancadas de Renato Sanches, da irreverência de Gonçalo Guedes, do vaivém constante de Nelson Semedo e da frieza de Lindelof. Foi crescendo, acima de tudo, à custa dos triunfos, em muitos casos robustos.

A dada altura, ficou no ar a sensação de que, mesmo que o tricampeonato falhasse, o ano desportivo estava ganho, porque havia margem para convencer os sócios de que a mudança de paradigma era irreversível. No futebol, porém, nenhum consenso se constrói em cima de promessas de vitórias e de ilusões românticas, mas não há como esconder que a época de transição propalada por Vieira foi bem mais suave do que poderia prever-se. Nesse sentido, mais do que o 35.º campeonato do seu palmarés, o que o Benfica conseguiu neste domingo foi materializar um projecto.

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