“Obedecemos à lei, não aos políticos”, a resposta de Draghi à Alemanha

Troca de galhardetes entre o presidente do BCE e o ministro alemão das Finanças continua. Draghi passa ao contra-ataque e responde com “independência” do banco central.

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Draghi e Schäuble não escondem as divergências sobre a estratégia do BCE FRANCOIS LENOIR/Reuters

Mario Draghi é um político. Na postura com que se apresenta, nas palavras que escolhe dizer em cada momento, no tom de cada discurso, na gestão de cada silêncio. E quando nesta quinta-feira apareceu na conferência de imprensa mensal do Banco Central Europeu (BCE) em Frankfurt para explicar as decisões de política monetária, não foi inocente a frase que escolheu para responder às críticas no Governo alemão à estratégia de taxas de juro baixas na zona euro.

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Mario Draghi é um político. Na postura com que se apresenta, nas palavras que escolhe dizer em cada momento, no tom de cada discurso, na gestão de cada silêncio. E quando nesta quinta-feira apareceu na conferência de imprensa mensal do Banco Central Europeu (BCE) em Frankfurt para explicar as decisões de política monetária, não foi inocente a frase que escolheu para responder às críticas no Governo alemão à estratégia de taxas de juro baixas na zona euro.

“Temos um mandato para proporcionar a estabilidade de preços em toda a zona euro e não apenas na Alemanha. Este mandato foi determinado por lei. E nós obedecemos à lei, não aos políticos”, alfinetou, deixando bem claro quem era o destinatário da mensagem.

Desde o início da crise das dívidas soberanas que Berlim fez questão de deixar claras as suas reticências em relação aos planos do BCE de compra de activos financeiros na zona euro, aliada às baixas taxas de juro de referência. E, na semana passada, o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, subiu o tom das críticas, dizendo ser “inquestionável que a política de taxas de juro baixas está a causar enormes problemas” ao sector financeiro alemão e a contribuir para uma falta de confiança num momento em que a zona euro continua sob risco de deflação.

A resposta cortante de Mario Draghi tem uma razão de ser. Os estatutos da autoridade monetária da zona euro estabelecem a independência das decisões tomadas pelos órgãos de decisão máxima do BCE. A regra está prevista no artigo 7.º dos Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do BCE: os órgãos do banco “não podem solicitar ou receber instruções das instituições ou organismos comunitários, dos governos dos Estados-Membros ou de qualquer outra entidade”.

Mario Draghi fez questão de reafirmar publicamente esse estatuto. E não se ficou por aqui, sublinhando que o Bundesbank (o banco central alemão) está ao seu lado. O conselho do BCE na reunião desta quinta-feira, frisou Draghi, foi “unânime na defesa da independência do banco central e na avaliação de que as medidas em prática são apropriadas”.

Mas se a acta da reunião anterior do BCE, de Março, mostra que os membros do conselho estão de acordo quanto à resposta alargada do BCE, não esconde que há divergências em relação a medidas adoptadas. Algo que o presidente do Bundesbank, Jens Weidmann, já tinha vindo assumir publicamente. Na reunião desta quinta-feira, o BCE manteve a taxa de juro aplicada às operações principais de refinanciamento e as taxas de juro da cedência de liquidez e de depósito inalteradas em 0%, 0,25% e -0,4%, respectivamente.

Não é de agora o “duelo” entre Schäuble e Draghi, nem a primeira vez que o italiano rebate as críticas vindas de Berlim e o alemão lhe devolve com declarações públicas. A frase que Draghi disse no Verão de 2012 para conter a crise das dívidas – de que tudo faria “tudo o que for necessário” para salvar o euro – provocou sempre algumas reacções amargas em Berlim.

A recente troca galhardetes subiu de tom depois de o BCE ter alargado a dimensão do plano de compra de activos financeiros nos países da zona euro, a principal das medidas de política monetária não-convencional (o BCE está neste momento a comprar 80 mil milhões de euros de activos, entre eles títulos de dívida pública em mercado). É que a retoma económica na região da moeda única continua a dar sinais de debilidade, a inflação está a zero (depois de ter caído para terreno negativo nos dois meses anteriores) e vários economistas têm alertado para o risco de o BCE poder comprometer a sua credibilidade, pelo facto de continuar a lutar contra a crise tendo já passado um desde que o BCE iniciou a compra de dívida pública.

Em Março, o presidente do BCE chegou a dizer que, se nada tivesse feito para responder à crise das dívidas soberanas, a zona euro enfrentava uma “deflação desastrosa”. Foi então que o ministro alemão criticou o resultado da política de taxas de juro baixas. E já antes a imprensa americana divulgara que o ministro alemão, em conversa, teria atribuído à política monetária do BCE a responsabilidade pelo reforço eleitoral do partido anti-euro Alternativa para a Alemanha.

Draghi tem vindo a insistir que a acção do BCE tem de ser acompanhada por reformas dos governos para puxar pela economia da zona euro, uma posição onde tem o apoio do Fundo Monetário Internacional (FMI), para quem a política monetária na Europa neste momento deve ser expansionista e acompanhada por medidas de estímulo das economias com margem de manobra orçamental, como é o caso da Alemanha, que não regista défice orçamental.