O que faz um banco central, quando começam a não acreditar nele?

Um ano após o início das compras de dívida pública, a inflação está outra vez em terreno negativo. Na reunião desta quinta-feira, o BCE volta a jogar a sua credibilidade no combate à deflação.

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Nos mercados começa a instalar-se a ideia de que novas medidas que venham a ser anunciadas pelo BCE não serão suficientes para marcar um ponto de viragem na actual conjuntura AFP / EMMANUEL DUNAND

Pior do que a entrada da economia numa recessão ou do que um episódio de subida rápida da inflação, aquilo de que os banqueiros centrais mais têm medo é de cair numa situação em que as suas acções, por mais decididas que sejam, deixem de conseguir produzir qualquer impacto na economia. É isso que os responsáveis do Banco do Japão sentem há já vários anos de combate infrutífero contra a deflação. E é isso que Mario Draghi e os outros membros do conselho de governadores do Banco Central Europeu (BCE) estão preocupados em evitar na reunião que se realiza esta quinta-feira em Frankfurt.

O cenário é, avisam vários economistas, de grande risco para o BCE e para a sua credibilidade. Passados sete anos e meio desde o início da crise financeira internacional, seis anos desde o princípio da crise da dívida soberana do euro e um ano desde que o BCE começou a comprar dívida pública nos mercados para injectar dinheiro na economia, a zona euro continua a dar sinais de fragilidade na sua retoma e a inflação voltou, em Fevereiro, a cair para terreno negativo.

As medidas até aqui adoptadas pelo banco central parecem não estar a conseguir surtir o efeito desejado, prejudicadas pela descida dos preços do petróleo e pelo reduzido apoio orçamental que é dado pelos governos.

Nos mercados começa a instalar-se a ideia de que novas medidas que venham a ser anunciadas pelo BCE não serão suficientes para marcar um ponto de viragem na actual conjuntura. E ganham ao mesmo tempo força os argumentos que defendem que, mais do que benéfica, a acção do BCE pode estar a tornar-se mesmo prejudicial.

Isso não impede que, neste momento, a maior parte das apostas apontem para que os responsáveis do BCE decidam mesmo esta quinta-feira tomar novas medidas. Num inquérito realizado pela agência Bloomberg junto de diversos actores dos mercados financeiros, todas as respostas apontaram para que Mario Draghi venha a anunciar uma nova redução da taxa de juro de depósito do BCE, dos actuais -0,3% para -0,4%. E cerca de três quartos dos inquiridos prevêem ainda que o banco aumente o nível de compras de activos dos actuais 60 mil milhões de euros ao mês para 70 mil milhões.

A questão é que esses mesmos actores dos mercados vêem nestas medidas muitas dificuldades de aplicação e de produção de efeitos positivos.

No que diz respeito à descida das taxas de juro – que no caso dos depósitos que são feitos pelos bancos comerciais no banco central já se encontram em valores negativos – está a ganhar força a ideia de que, mais do que estar a conseguir estimular as instituições financeiras a emprestar dinheiro às famílias e empresas a taxas baixas, o que se está a fazer é a colocar em causa a rentabilidade dos bancos. Esta semana, um relatório do Banco de Pagamento Internacionais afirmava que “a viabilidade do modelo de negócio dos bancos como intermediários financeiros pode ser colocada em causa”.

A desconfiança em relação à eficácia desta medida ficou clara na reacção negativa dos mercados à descida das taxas de juro para terreno negativo decidida em Fevereiro pelo banco central japonês. O iene não travou a sua apreciação e a bolsa registou quedas.

Em relação ao possível reforço do ritmo de compras de dívida pública por parte do banco central, as principais dúvidas estão relacionadas com a capacidade do BCE para levar à prática um programa ainda mais agressivo. É que, preso à regra de comprar a dívida de acordo com o peso de cada país na zona euro e à imposição de um limite máximo de detenção de um terço do total da dívida emitida por um país, o BCE pode deixar a determinada altura de conseguir comprar todos os títulos de que precisa.

A possibilidade de mudar estas regras e limitações existe, mas é considerada pouco provável devido à oposição cerrada de vários membros do banco central, especialmente o nomeado pelo Bundesbank, a medidas que avancem num sentido que pareça o da facilitação de financiamento aos Estados, com assunção de mais riscos por parte do BCE.

Sendo assim, de que espaço de manobra dispõe Mario Draghi para conseguir retirar a zona euro da situação de ameaça de deflação em que se encontra? Nos jornais europeus são várias as opiniões, apontando para diversos caminhos, nenhum fácil.

Mohamed El-Erian, ex-responsável máximo da gestora de fundos PIMCO, diz que “a grande questão nesta reunião do BCE não é a de saber se os seus responsáveis devem fazer mais ou não”. “Eles vão fazer mais. A questão é saber quão rapidamente irão inadvertidamente aproximar-se da infeliz situação em que o Banco do Japão se encontra agora: a de uma eficácia política reduzida e de cada vez maior vulnerabilidade política”, afirma Mohamed El-Erian.

Também pessimista, mas a apresentar mais soluções, o economista norte-americano Lawrence Summers, falando dos desafios que enfrentam os vários bancos centrais e governos mundiais, defende que serão necessárias “mudanças nos paradigmas de política para que os problemas sejam resolvidos” e sugere “uma combinação de expansionismo orçamental, aproveitando a oportunidade criada pelas taxas superbaixas e, in extremis, novas experiências com políticas monetárias não convencionais”.

Se Summers não diz que novas experiências podem ser essas, o colunista do Financial Times Wolfgang Münchau arrisca algumas ideias mais radicais, como o BCE imprimir e distribuir dinheiro directamente aos cidadãos da zona euro, o que faria rapidamente subir a inflação. “Esta política passaria ao lado dos governos e do sector financeiro. Os mercados financeiros odiariam, porque não haveria nada para eles. Mas o que é que isso interessa?”, defendeu o economista alemão. E explica porque é que não se devem colocar de lado hipóteses deste tipo: “O BCE não ficou sem munições, mas o número de instrumentos de política efectivos é claramente finito. Não deve usar esses instrumentos levianamente, ou arrisca-se a perder a pouca credibilidade que ainda resta.”

Não será esta quinta-feira, nem certamente nos tempos mais próximos, que o BCE comerá a distribuir dinheiro aos seus cidadãos, mas da reunião do conselho de governadores será claro de que forma – mais temerosa ou mais agressiva – o banco central está disposto a tentar fazer a economia da zona euro fugir do risco de deflação.

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