Morreu o inglês Arnold Wesker, dramaturgo da classe operária

Tinha 83 anos e uma carreira longa em que se destacam as peças com que abordou desassombradamente o dia-a-dia dos trabalhadores, no final dos anos 1950. A sua própria experiência - a sua vida - contava muito quando escrevia.

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Arnold Wesker em 1961 DR

Ao longo de uma carreira de cinco décadas escreveu mais de 40 textos para teatro, short stories, ensaio, romance e poesia, notabilizando-se sobretudo com as peças dos anos 1950, em que a classe operária é a protagonista. Arnold Wesker, 83 anos, dramaturgo inglês, morreu esta terça-feira, informou a sua mulher à televisão BBC. Tinha doença de Parkinson há já vários anos, segundo o jornal The Guardian.

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Ao longo de uma carreira de cinco décadas escreveu mais de 40 textos para teatro, short stories, ensaio, romance e poesia, notabilizando-se sobretudo com as peças dos anos 1950, em que a classe operária é a protagonista. Arnold Wesker, 83 anos, dramaturgo inglês, morreu esta terça-feira, informou a sua mulher à televisão BBC. Tinha doença de Parkinson há já vários anos, segundo o jornal The Guardian.

Nascido em 1932 no East End londrino, filho de judeus comunistas, ela uma cozinheira da Transilvânia (hoje na Roménia), ele um alfaiate da Ucrânia, Arnold Wesker – desde 2006 com o título “sir” antes do nome – tem entre os seus textos mais celebrados, traduzidos e representados em todo o mundo títulos como Chicken Soup with Barley, Roots e I'm Talking about Jerusalem, que formam a chamada Trilogia Wesker, publicada pela primeira vez como tal em 1960, Chips with Everything, baseada na sua experiência militar na Royal Air Force, e The Kitchen (1957), inspirada no tempo que passou a trabalhar na cozinha de um hotel, onde conheceu a sua mulher.  A Cozinha foi aliás apresentada em Portugal pelo Teatro Estúdio de Lisboa, com encenação de Luzia Maria Martins e com drásticos cortes de censura. 

A trilogia, cuja primeira parte se estreou em palco em 1958, no Belgrade Theatre, é um reflexo directo do seu background familiar – núcleo modesto, mas muito politizado – e das suas preocupações sociais. Preocupações que estavam, até aí, habitualmente arredadas das salas do West End.

Figura de proa de uma geração de autores contestatária que viria a ficar conhecida como “angry young men” (homens jovens zangados), e de que faziam parte John Osborne e Brendam Behan, Wesker nunca abdicou da sua fé no socialismo e fez tudo o que estava ao seu alcance para aproximar o público do teatro, lê-se esta quarta-feira nos obituários publicados nos jornais britânicos. Em muitas das suas peças, os “heróis” são operários e outros trabalhadores, figuras capazes de criar uma enorme empatia com a audiência, defenderam os críticos ao longo da sua carreira.

Foi no âmbito desta estratégia de democratização do teatro e da cultura, em que se empenharam dramaturgos como Harold Pinter (1930-2008), que o autor de The Kitchen fundou o Centre 42, um projecto teatral em Londres, no início da década de 60, época em que esteve particularmente activo na luta contra o nuclear (em 1961 chegou a estar um mês preso). 

Antes de se estabelecer como escritor, Arnold Wesker foi de tudo um pouco: aprendiz de carpinteiro, funcionário de uma livraria, cozinheiro, assistente de canalizador, pasteleiro, trabalhador agrícola. A sua ascendência humilde, dizia, nunca foi uma barreira – era, aliás, parte do combustível da sua produção literária.

“Não se é um bom escritor porque se vem de um ambiente operário, não se é um bom escritor porque se fez um curso universitário. É-se um bom escritor porque se é um bom escritor – é o trabalho que interessa, não os rótulos que o rodeiam”, disse numa entrevista à rádio BBC, agora citada pelo diário The Guardian.

O autor publicou também várias colecções de short stories, como Love Letters on Blue Paper: Three Stories (1974) e The King's Daughters (1998). Estreou-se no romance com Honey, em 2005 – esta ficção começa onde a peça Roots acaba, dando continuidade à história de Beatie Bryant -, e na poesia com All Things Tire of Themselves, três anos mais tarde. Entre as suas últimas peças estão Shylock (1980), When God Wanted a Son (1986), Circles of Perception (1996), Denial (1997) e Longitude (2002). Viu obras suas serem adaptadas para cinema e trabalhou ainda para televisão, tendo dirigido várias das peças que escreveu.

Quando lhe perguntaram, em 1960, no seu primeiro pico de sucesso, que “mensagem” devia o público procurar no seu teatro, o dramaturgo respondeu: “Não seria lá grande escritor se só me preocupasse em fazer passar uma mensagem. Mas nenhum autor pode escrever o que quer que seja sem dizer alguma coisa a alguém. Cada acção, cada apreciação que fazemos, cada personagem que criamos implica um valor. […] Não começo com uma mensagem. Começo como um ser humano com a minha atitude perante a vida, depois as pessoas e as situações vão ocupando o seu lugar.”

Stephen Daldry, que dirigiu o Royal Court Theatre entre 1992 e 1998, definiu Wesker à BBC como “um dos escritores mais empenhados e apaixonados da sua geração”. A sua morte demonstra, acrescentou, que o Reino Unido “está a perder as vozes de uma geração que moldou o teatro tal como hoje o público o conhece”.

Em Portugal Arnold Wesker tem apenas um livro publicado, na Cotovia, Três Peças para uma Mulher (1999).