Morreu Gato Barbieri, um saxofone livre e latino

O argentino compôs a música do filme O Último Tango em Paris. Tinha 83 anos.

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Apesar de já ter problemas de saúde, Barbieri continuava a tocar todos os meses no Blue Note

Leandro "Gato" Barbieri, saxofonista argentino e compositor da música do filme O Último Tango em Paris, morreu no sábado aos 83 anos, anunciou no domingo o famoso clube de jazz nova-iorquino Blue Note através do Twitter.

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Leandro "Gato" Barbieri, saxofonista argentino e compositor da música do filme O Último Tango em Paris, morreu no sábado aos 83 anos, anunciou no domingo o famoso clube de jazz nova-iorquino Blue Note através do Twitter.

"O Blue Note está profundamente triste pela morte do lendário saxofonista Gato Barbieri. A nossa relação com Gato recua até à sua estreia no Blue Note em Janeiro de 1985. Ele ajudou a estabelecer o clube nesses primeiros anos e tornou-se uma âncora em todos os locais do Blue Note espalhados pelo mundo nos últimos 30 anos […]. Hoje perdemos um ícone, um pioneiro e um querido amigo.” 

Barbieri morreu de pneumonia num hospital em Nova Iorque, segundo o jornal The New York Times, que citava a AP, depois de recentemente ter sido submetido a uma cirurgia por causa de uma trombose.

O músico gravou mais de 35 álbuns numa carreira com 50 anos e ganhou um Grammy em 1973 para melhor composição instrumental com o seu trabalho para a banda sonora de O Último Tango em Paris, o filme de Bernardo Bertolucci com Marlon Brando e Maria Schneider, estreado em 1972.

Passou por Portugal em 1974 para tocar no Cascais Jazz e regressou anos mais tarde, em 2001, para um espectáculo no Tivoli. Nessa altura, segundo o crítico e divulgador de jazz António Curvelo, já estava longe do auge da sua carreira: “Foi muito importante na altura do free jazz, nas décadas de 60 e 70. Era uma época em que não havia músicos latino-americanos com peso e visibilidade e ele distinguiu-se.”

Para além de ter feito “uma série de discos francamente bons”, Curvelo recorda também o seu trabalho de adaptação de músicas populares tradicionais da América Latina. “Depois, a partir dos anos 80, teve um ocaso bastante grande, deixou de se falar dele e quando reaparece deixa uma discografia já irrelevante”. Muito conotado com o free jazz, quando este movimento começa a declinar, isso reflecte-se também em Barbieri, resume o crítico.

O saxofonista Carlos Martins tem uma memória completamente diferente do concerto no Tivoli. “Lembro-me de achar aquilo espampanante, muito bonito, mais forte do que nunca.” Declara-se um admirador do som “electrizante, lembrando o grito, demasiado brilhante, absolutamente fabuloso” de Barbieri e da forma como ele “junta um som jazz quase negro do free jazz com todo o lado latino”.

Mas há uma ligação muito mais próxima – e inesperada – entre Carlos Martins e Gato Barbieri. “Tenho gravado os meus últimos álbuns com o saxofone do Gato”, revela o músico português. A história passa por uma aldeia perto de Évora e por um projecto comunitário no qual, há alguns anos, Carlos Martins se viu envolvido. “O psiquiatra Alberto Magalhães vive nessa aldeia, a certa altura fui visitá-lo e ele mostrou-me um saxofone que tinha. ‘Sabes que era do Gato Barbieri?’, perguntou-me.” Carlos Martins ficou espantadíssimo. Como é que o saxofone do Gato fora parar ali?

É preciso recuar até 1974 e ao tal concerto no Cascais Jazz, após o qual o músico argentino passou uns dias em casa de outro amigo de Alberto Magalhães, conhecido pelas festas que organizava. No fim, Gato deixou o saxofone e partiu – se tencionava recuperá-lo ou se o deixou como paga pela forma como foi recebido, Carlos Martins, a quem Alberto Magalhães o confiou, não sabe responder. O que sabe é que “os saxofones de alguma forma fazem as pessoas” e, embora tenha um som muito diferente do do músico argentino, tem “muito orgulho” em usar um instrumento “que foi tocado de forma absolutamente apaixonada pelo Gato”. 

Nascido a 28 de Novembro de 1932 na Argentina, Barbieri tornou-se conhecido como “Gato” na década de 50 devido à forma como saltava de clube em clube em Buenos Aires, acompanhado pelo seu saxofone, para tocar, conta o The New York Times

El País descreve o seu estilo como “torrencial e quente” e lembra que ele “era considerado um dos grandes saxofonistas contemporâneos e, para muitos, o segundo músico argentino que maior impacto teve no jazz moderno, depois de Lalo Schifrin, em cuja orquestra tocou."

Apesar de ter nascido numa família com vários músicos, o seu interesse pela música só começou quando tinha 12 anos, conta o diário espanhol. Foi quando ouviu pela primeira vez Now’s the Time, de Charlie Parker. Começou por tocar clarinete e só aos 18 anos, quando se mudou para Buenos Aires, deixando a cidade de Rosario, onde nascera, é que se dedicou ao saxofone. 

É ainda o The New York Times que recorda como surgiu a proposta para fazer a banda Sonora de O Último Tango em Paris, recuperando uma entrevista dada por Barbieri em 1997 à Associated Press. “Bernardo [Bertolucci, o realizador] disse-me ‘não quero que a música seja demasiado Hollywood ou demasiado europeia, o que é mais intelectual. Quero que fique no meio’”. Para Gato, o resultado foi “como um casamento entre o filme e a música”. Foi a partir daí que conquistou fama mundial. 

“A música era um mistério para Gato e de cada vez que tocava era uma nova experiência para ele e era assim que ele queria que fosse também para a audiência”, disse a sua mulher, Laura, citada pelo diário norte-americano, depois do anúncio da morte do saxofonista. “Foi para ele uma honra poder, durante todos estes anos, levar a sua música a todo o mundo”.

Apesar de já ter problemas de saúde, Barbieri continuava a tocar todos os meses no Blue Note, onde se apresentou pela última vez no dia 23 de Novembro passado.