A visita do Presidente da República e as contradições insanáveis

O Professor Cavaco Silva e o PR Cavaco Silva entraram, ambos, numa contradição insanável.

O Professor Cavaco Silva cumpriu, em final de mandato, uma visita à Sociedade Histórica da Independência de Portugal (SHIP), sita no antigo Palácio dos Almadas, no Rossio de Lisboa. Esta Sociedade foi fundada, em 1861, em reacção a um surto de Iberismo que, á época conhecia um atrevimento pouco usual.

Congratulamo-nos com a visita da mais alta figura do Estado, ocorrida no passado dia 16 de Fevereiro, já que o político Cavaco Silva nunca se tinha deslocado à SHIP, enquanto nas actuais funções.

A visita honra a SHIP e também honra o Chefe do Estado, pois a casa que o recebeu não é uma casa qualquer: é uma antiga instituição da sociedade portuguesa, com desígnios elevados, pergaminhos obtidos e obra feita.

Obra que, infelizmente, não está acabada e tem muito caminho a fazer pela frente…

A visita e a cerimónia correram bastante bem.

Os discursos foram equilibrados e enxutos.

Quando chegou a vez, do PR chegar à fala – o qual se apresentou anormalmente descontraído e bem - disposto – o fluir do discurso também surtiu bom efeito até chegar à parte em que referiu serem os tempos diferentes dos de 1861 – subentendendo-se que as ameaças estariam esbatidas – e entrando na defesa simultânea da Independência Nacional (que é o objecto estatutário n.º 1 da SHIP) e da União Europeia. Se bem que, no referente a esta última entidade, estivesse longe de tecer os encómios ouvidos durante a sua longa carreira política.

Ora aqui é que o Professor Cavaco Silva e o PR Cavaco Silva entraram, ambos, numa contradição insanável.

Em primeiro lugar porque a situação actual sendo diferente da de 1861, é pior, sobretudo no que diz respeito à Espanha e ao Iberismo. Muito pior.

Em 1861 houve reacções patrióticas, hoje não há quase nenhumas; em 1861 tínhamos uma fronteira real com a Espanha, hoje essa fronteira está esbatida; naquele tempo vivia-mos costas com costas, hoje está tudo misturado; no Século XIX, a maior ameaça, a mais visível, era a militar, hoje é fáctica, mas em todos os outros âmbitos ela cresceu desmesuradamente, nomeadamente no campo financeiro.

Em 1861 a Espanha estava em decadência e não pertencia a nenhuma aliança de que nós fossemos parte; hoje é uma média potência com interesses no mundo inteiro e está em todas as alianças, à excepção da Aliança Inglesa, onde nós estamos. Aliança que o Estado Português há muito despreza, ao ponto de nem no Conceito Estratégico de Defesa Nacional nem no Conceito Estratégico Militar, a ela se faça sequer uma referência.

Estando o ponto ilustrado, não nos vamos estender mais.

O Professor Cavaco Silva já certamente aprendeu há muito, que os “Lusíadas” têm 10 Cantos, mas parece que há coisas, por mais anos que permaneça em altos cargos, nunca vai conseguir ou querer aprender.

Em segundo lugar porque a compatibilidade entre a salvaguarda da Soberania Nacional e a fuga para a frente federativa da UE, é um símbolo de impossibilidade. E o actual PR, que se tem mostrado um adepto dessa tese, tem obrigação de saber isso.

Mas nunca quis, nem o Partido a que sempre pertenceu (já agora, os outros também), alguma vez discutir este grave assunto, nem que fosse pela rama. E nunca quiseram, outrossim, que a população portuguesa se apercebesse das consequências.

Fizeram até, ao tempo do Doutor Jorge Sampaio como PR, com o apoio da maioria das forças parlamentares da altura (2004), uma revisão constitucional quase furtiva, em que introduziram um clausulado que nos escraviza às directivas emanadas de Bruxelas!

Ora o interesse português em estar nesta organização europeia indefinida, esgotou-se aquando do Tratado de Maastricht, que entrou em vigor, a 1 de Novembro de 1993 e subsequente adesão ao “Euro”, ao qual o nosso país nunca devia ter aderido.

Assinámos aí a nossa certidão de óbito enquanto Estado-Nação.

Aliás a própria revisão constitucional citada, é ela própria, anticonstitucional e inconstitucional…

Anda toda a gente (enfim a minoria que disto tem conhecimento) a assobiar para o lado.

Há quem afirme, e serão a maioria, que a soberania plena, ninguém a tem hoje em dia, muito menos os pequenos países. A soberania é resultado da habilidade que se tem em gerir as diferentes interdependências.

Bom, tal asserção é razoável e factual e é isso que Portugal e os portugueses têm feito, com altos e baixos, desde Afonso Henriques. Até há cerca de 40 anos atrás.

E deixámos de o fazer porque nos abandonámos…

O sentimento de perda, o choque, o corte cerce com o passado e o desvario das paixões foi de tal monta e afectou - nos de tal modo, que ainda hoje não recuperámos.

Destarte, a “elite” política que tem estado à frente dos destinos do país, deixou de querer saber do Objectivo Nacional Histórico Permanente, que está à frente de todos, e vem do princípio da nacionalidade, consubstanciado na independência nacional e na defesa da integridade do território e salvaguarda da respectiva população.

Pensaram que Portugal deixou de ter ameaças; abandonaram a política externa em favor do mero exercício das relações internacionais; deixaram cair os reflexos centenários da defesa e segurança e assumiram que a NATO, A ONU e a CEE iriam tratar de nós.

Por isso é que a única coisa consistente, que todos os governos portugueses têm feito desde então, foi o de destruírem todo e qualquer resquício do Poder Nacional Português, de uma forma sistemática!

E foram-se “esquecendo” de diversificar as tais “dependências”, colocando os ovos todos na UE.

Ora sem “Poder” efectivo não se pode influenciar coisa alguma, logo não estamos em condições de poder gerir as tais interdependências…

O Professor Cavaco Silva adepto confesso, ao que se sabe, da libérrima “Escola de Chicago”, foi um dos principais obreiros da destruição dos sectores primário e secundário da nossa economia, apostando tudo no sector terciário, ou seja nos serviços.

E ajudou a permitir que se desregulasse o sistema financeiro e a banca, na onda da mesma escola…

Erros dramáticos que, aos poucos, vão ficando claros no horizonte nacional.

O político Cavaco Silva, que teve aquela infeliz tirada de que nunca se enganava e raramente tinha dúvidas, enganou-se muito e só lhe ficava bem pedir desculpa pelo mal que fez a Portugal, sem embargo de lhe darmos o benefício das boas intenções.

Mas dessas sempre se ouviu dizer que o inferno está cheia delas.

Esta visita foi praticamente ignorada pela comunicação social, uma prática, aliás, corrente. É claro que não se trata de “censura”, mas apenas e somente, de opções de redações livres e democráticas!

Excepção para uma notícia do Jornal PÚBLICO, logo no dia da visita, hábil e manipuladoramente escrita, que mistura factos com opiniões, tendentes a levar o leitor a intuir que a SHIP é uma instituição passadista e ligada ao Estado Novo.

Lembramos ao senhor jornalista que a SHIP já atravessou quatro regimes políticos completamente diferentes uns dos outros e contínua de boa saúde e que o objectivo da sociedade não é defender políticos, políticas ou regimes, mas valores e princípios que se coadunam com a preservação de Portugal como entidade autónoma na comunidade mundial.

E que os termos “Deus, Pátria, Família”, que escolheu para destaque, dando-lhe uma conotação negativa, são de sempre, são respeitáveis e são elevados. São, até, naturais e de simples bom senso.

Os cães ladram e a caravana passa.

Nota: este escrito apenas vincula a minha pessoa e não qualquer órgão social da SHIP.

Oficial Piloto Aviador

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