A questão chinesa

Recordo, de cabeça e por certo com alguns erros, uma peça dos Monty Python. Um americano — tipo texano — entra num bem humilde lar britânico e dispara várias ordens de compra: “Compro a mesa”, “as reproduções dos quadros”, “o resto do mobiliário”, etc. Perante esta investida, o homem da casa implora que o americano compre também a mulher e, quase no final, que o compre também a ele. É este o poder do dinheiro.

Portugal viu-se assoberbado de notícias e referências ao patrocínio da II Liga de futebol por parte de uma empresa multinacional chinesa. A verdade é que este não é o único segmento da presença chinesa no futebol português. A verdade, ainda, é que o mercado de transferências de jogadores conheceu (em Janeiro) um colossal investimento que endereçou atletas de nível para as equipas chinesas. A verdade é que os britânicos conheceram bem cedo a relevância do mercado asiático (porventura não tanto a China). E a verdade é que, olhando a publicidade e os patrocínios de equipas de Ligas europeias — a começar pela espanhola — a língua chinesa está lá. Convenhamos, pois, que não é fácil, a um desporto capitalista, escapar a tanto apelo e recursos financeiros.

Vejamos alguns aspectos (e eles são tantos) da “Questão chinesa”. Um primeiro prende-se com o propagar — pela imprensa e comunicação — de uma visão romântica justificativa do recente interesse chinês pelo futebol. Tudo radicaria, mais coisa coisa menos coisa, na paixão futebolística do seu Presidente. Não o creio. O desporto e o poder económico são veículos adequados à afirmação de qualquer Estado, sem excepção. É aí, é a minha opinião, que se sedimenta a relação entre a China e o futebol. Como no passado — e será assim no futuro —, os Estados (desde logo as potências) desejam afirmar-se no todo universal e se o desporto (veja-se os Jogos Olímpicos) é o percurso a fazer, assim seja.

Quando retemos a atenção para o nosso espaço, o recente patrocínio não é, de todo, o início da “Questão chinesa”. Por um lado, há sociedades desportivas que têm capital chinês como accionista de referência. Por outro lado (pode reler-se o trabalho jornalístico do Record de 12 de Novembro de 2015), são relatados casos de imposição de políticas desportivas nessas sociedades desportivas. Por fim (?), há (já houve?) torneios envolvendo equipas totalmente compostas por cidadãos chineses, maiores ou menores.

Isto vive-se em Portugal, como em outros países, e é, parece-me incontestável, a afirmação de uma “mandarização” do futebol a diversos níveis. É negativo? Seria positivo se fosse um registo europeu ou uma “macdonalização” do desporto? Diria que a indústria capitalista do futebol moderno, na sua própria essência, não pode deixar de viver afastada destes qualificativos ou de outros. Faz parte do desporto moderno. Gosta-se ou não do modelo. Mas o modelo é esse. Seja na personificação de um Estado, seja pela via de patrocínios de esmagadoras marcas internacionais.

Tem riscos? Claro que tem e, podendo aqui ir mais longe, alguns estão identificados e são acompanhados há já algum tempo, por organizações públicas e privadas internacionais.

Chegados aqui, há que sair do armário, deixar a zona de conforto, e afirmar aquilo que deve ser dito. Um deles situa-se forçosamente no universo das apostas desportivas online e na combinação de resultados desportivos.
Os elementos para reflexão são inúmeros e, em bom rigor, o que falta é disponibilidade de tempo para os ler. Portugal não se encontra, nesse aspecto, totalmente dotado de ferramentas e de investigação legais eficazes. O fenómeno, na sua expressão pública, é relativamente recente.

Contudo, dê-se eco a afirmações de Maio de 2015 produzidas por Chris Eaton, em tempos diretor de segurança da FIFA e actualmente director do departamento sobre a integridade no desporto do International Centre for Sports Security (ICSS).

Que nos diz ele? Desde logo que a China, como a Índia, são dois mercados emergentes no futebol, mas que têm um problema a resolver antes de se afirmarem como tal: a combinação de resultados e as fraudes nas apostas. E sem ocupar mais espaço ao jornal e tempo ao leitor, eis a dimensão do que está em causa, para o bem e para o mal, nestes impressionantes números: (a) o montante de dinheiro apostado no desporto, na China ou por cidadãos chineses residentes no sudoeste asiático, ronda os 800 biliões de dólares por ano; (b) as apostas têm por objecto cerca de 5.000 provas por semana.

josemeirim@gmail.com

 

 

 

 

 

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