Escolher à terceira volta

Estas são as primeiras eleições presidenciais em que tivemos duas voltas de primárias e em que, possivelmente, teremos uma "terceira volta" a 14 de Fevereiro para decidir entre os dois candidatos com mais intenções de votos: Marcelo e Nóvoa.

A pergunta que devíamos estar a fazer é a de saber se no dia de hoje estamos numa melhor posição para escolher do que estávamos nas presidenciais de há uma década? Há quem acredite que sim, mas eu penso que não.

Este longo processo não criou ainda as condições para que pudéssemos no próximo fim-de-semana terminar a escolha racional que todos esperamos fazer numas eleições.

Passado mais de um ano do início das múltiplas primárias presidenciais, não se conseguiu ainda criar as condições para que se decida clara e racionalmente no próximo domingo quem é que deve ser o próximo Presidente da República Portuguesa.

Retomando a ideia da escolha racional e utilizando um exemplo do quotidiano, nenhum cidadão português assinaria um contrato de fidelização de telemóveis ou de televisão durante cinco anos sem saber que canais de TV iria ter ou o preço das chamadas que iria realizar. Ora é numa situação similar em que neste final de semana de campanha eleitoral nos encontramos.

Richard Harper, Dave Randall e Wes Sharrock publicaram neste Janeiro o livro Choice e nele relembram-nos que fazemos escolhas todos os dias, mas ficamos, por vezes, perplexos com as nossas escolhas e com as dos outros

Os autores defendem que os seres humanos são mais racionais do que uma série de disciplinas científicas e, acrescentaria eu, comentadores políticos nos podiam levar a crer. Daí, que devamos fazer todo o possível para que as condições dessa escolha racional possam estar presentes e, por isso, precisarmos de uma "terceira volta" das presidenciais em Fevereiro.

As eleições presidenciais começaram com uma primeira volta que durou os primeiros nove meses do ano de 2015. Nessa primeira volta ocorreram as primárias virtuais do PSD, tendo Marcelo Rebelo de Sousa disputado as mesmas com Rui Rio e Pedro Santana Lopes.

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou a primeira volta através das intenções de voto nas sondagens publicadas. Essas intenções de voto foram obtidas pela sua perseverança política, produto da sua presença televisiva em comentário político, dos temas que escolheu e de assim ter aumentado sustentadamente a sua notoriedade pública.

A vitória nas primárias de Marcelo Rebelo de Sousa foi uma escolha racional, mas apenas daqueles que manifestaram a sua intenção de voto em sondagens e que criaram as condições para a sua posterior apresentação como único candidato à direita.

Por sua vez, a "segunda volta" das presidenciais irá a votos no próximo domingo e nela decide-se qual dos restantes nove candidatos, à esquerda ou ao centro, irá obter o segundo lugar entre os mais votados. De novo, esta será uma escolha racional, mas neste caso via votantes.

No entanto, se tudo se decidir já domingo, se as actuais sondagens se transformarem em voto para lá da fronteira dos 50% para o candidato Marcelo Rebelo de Sousa, não teremos a possibilidade de realizar a última e fundamental escolha racional que permitiria dizer que nestas eleições estaríamos pelo menos tão bem para decidir como em 2006.

Porquê? Porque não teremos hipótese de ter uma nova volta para finalizar este processo longo e logo não poderemos fazer aquilo que nos caracteriza enquanto seres humanos: escolher racionalmente.

Na realidade tudo aquilo que até aqui se passou faz jus à ideia de que é necessária uma "terceira volta" a 14 de Fevereiro para tornar tudo mais claro, vença quem vencer.

Só uma "terceira volta" permitirá perceber o que Marcelo Rebelo de Sousa e Sampaio de Nóvoa têm de diferente, para além daquilo que já sabem sobre eles os que os agora os apoiam.

A "terceira volta" é no fundo o espaço de que necessitamos para que a democracia volte ao terreno da escolha racional.

Só depois de afastado o ruído de umas novas primárias a nove e escolhido o melhor entre eles se estará finalmente perante as condições para o confronto frente-a-frente e para se demonstrar o que cada um vale em ideias e aquilo a que cada um se opõe e propõe.

Votar sem nada discutir, sem nada saber sobre o que opõe os dois mais votados, seria o mesmo que eleger para Presidente um personagem mítico criado por Herman José, o José Severino do "Eu é mais bolos". Seria a recusa daquilo que nos torna humanos, a escolha racional.

Seria uma caricatura da nossa preocupação com o futuro. Seria uma diminuição do poder central do Presidente da República, o seu poder simbólico e isso não seria bom para nenhum candidato vencedor. Pois, tornaria o próximo Presidente demasiado frágil perante as restantes instituições.

Daí que precisemos de um momento de clarificação - uma "terceira volta" que é devida aos portugueses.

Uma "terceira volta" para que não confundamos a realidade com as múltiplas miragens de oásis que cada um pode ter sobre aquilo que um potencial candidato pensará, mas que ainda não disse, porque ainda não tivemos uma "última volta" para escolher o próximo Presidente da República.

Professor do ISCTE-IUL, em Lisboa, e investigador do College d'Études Mondiales na FMSH, em Paris

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