A saúde é presidenciável

A saúde é um tema presidenciável por excelência e a exigir convergência e compromissos de regime. É importante que não se esqueçam dele depois das eleições.

A saúde e as políticas que a condicionam e determinam são essenciais em qualquer sociedade. Infelizmente, a política partidária tende a delimitar a discussão sobre políticas de saúde ao campo da despesa e no âmbito estrito do tratamento das doenças. A política de saúde é mais do que gerir a sua comunicação, repetir mensagens tranquilizadoras, falar sobre crises nas urgências ou exibir vontade de corrigir episódios de possível má prática. Realizar política de saúde, implica avaliar, prever, planear, decidir e aplicar medidas consequentes. Política de saúde é, fundamentalmente, garantir que uma sociedade atinge e mantém elevados níveis de bem-estar.

Não foi por acaso que vários candidatos à presidência da República colocaram a saúde na rota da sua campanha. É que o Presidente, mesmo sem competências executivas, adquire um papel ímpar como símbolo e exemplo, como influenciador e congregador das vontades da população e dos governantes. 

O presidente é promotor de boas práticas em todos os níveis da administração local, central e desconcentrada, como fator de suporte técnico e legislativo do Governo e da Assembleia, como representante dos que não se conseguem ouvir, como avaliador, como garantia de que a totalidade do artigo 64.º da Constituição, não apenas a parte referente a direitos, é cumprido por todos os Portugueses.

Alguns candidatos, cientes do papel que terão de desempenhar já começaram o seu périplo por instituições de saúde. Ainda bem. O SNS é uma das instituições públicas, criadas pela Democracia, em que os Portugueses mais confiam. 

Nas visitas que fizeram, uns afirmaram que farão tudo para travar a deriva neo-liberal da sua venda a privados - papão que nunca existiu - e outros comprometeram-se a lutar para que não existam mais desigualdades. Já sabemos que os candidatos presidenciais entendem que o SNS é decisivo na coesão social, concordam com o caráter geral e universal do SNS, defendem que é preciso mais dinheiro para a saúde e consideram que nem todas as poupanças em saúde são aceitáveis. Aqui, o consenso é alargado e politicamente transversal. Mas há questões sensíveis a exigir soluções.

Nos próximos anos, teremos mais idosos e mais doentes. Pessoas mais consumidoras de recursos de um serviço universal que terá de ser mais dispendioso para se manter geral. Vamos assistir ao crescimento de um sistema de saúde que, deixado ao seu curso natural, será mais assimétrico. A investigação e a inovação terão maior peso. Os anos vindouros serão marcados por problemas que se anteveem progressivamente mais complexos de resolver. 

Sem estabilidade política e com o Governo entalado entre exigências e obrigações, vai ser difícil compatibilizar o necessário com o possível.

Por isso, a opinião e a ação do próximo Chefe de Estado, num contexto de saúde dominado por desafios políticos, demográficos e financeiros, são fundamentais e mesmo decisivas. Há consensos e acordos que só serão possíveis com a intervenção moderadora e sábia do Presidente.

Queremos saber qual a visão que os candidatos atuais têm para o futuro do SNS. Como encaram os recursos humanos? Onde situam a iniciativa privada? O que entendem que deve ser racionalizado em prol de melhor Saúde? Queremos saber o que ponderam sobre o papel dos cidadãos no que às suas obrigações para com a saúde, individual e coletiva, diz respeito. O que pensam sobre o tabaco, álcool e drogas? Que visão possuem e irão defender para com os mais idosos e deficientes? Como gostariam de abordar as questões relacionadas com a saúde mental? Qual a dimensão que darão aos impactes de todas as políticas na saúde? Afinal, como pretendem intervir nestas questões? Limitar-se-ão a promulgar os diplomas do Governo? Como vão usar as possibilidades presidenciais de intervenção em matérias como a promoção da Saúde e a prevenção das doenças?

Os últimos Presidentes, pese embora as diferenças de estilo e de forma, deixam-nos um considerável acervo de pensamento e de atuações na área da Saúde. Essa intervenção tem-se até estendido, com grande relevância internacional, para lá do termo do mandato. Com os desafios e exigências do futuro, ao Presidente não chega apenas ser árbitro. Tem de ter pensamento e ação sobre tudo, especialmente sobre temas que têm forte impacto na vida dos portugueses. Por isso, a saúde é um tema presidenciável por excelência e a exigir convergência e compromissos de regime. É importante que não se esqueçam dele depois das eleições.

Professor da Escola Nacional de Saúde Pública, ex-ministro da Saúde

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