A “mortalidade infantil” da notícia na Imprensa

Este é um dos factores que, face à sua crise, a “imprensa industrial” terá de rever: a “mortalidade infantil” da notícia na Imprensa. Vou ater-me, sobretudo, à imprensa dos jornais.

Portugal foi um dos países mundiais com maior êxito na luta contra a mortalidade infantil. E esse indicador é, hoje, tido como um dos saldos mais positivos da saúde neste país. Servindo-me desta apreciável variável nos valores sanitários e de vitória para a demografia, vou adoptar a expressão para voltar a um tema, em sentido inverso, que me parece ser um dos factores que, face à sua crise, a “imprensa industrial” terá de rever: a “mortalidade infantil” da notícia na Imprensa. Vou ater-me, sobretudo, à imprensa dos jornais.

Este fim de ano, naturalmente pela coincidência em apuramento de balancetes, emerge mais um forte “apertão” na crise imensa que assola a grande maioria dos jornais e seus jornalistas neste país. Aliás, talvez fosse mais profundo averiguar por que acontecem estes surtos de crise com as mudanças de cor política na governação. Por hoje, concentro-me no que aos jornais diz eminentemente respeito.

Neste novo surto, surgem as modificações operadas no Sol e no i, com a uma fusão de redacções e de despedimento colectivo de dezenas de profissionais, a ameaça de uma dissolução do Diário Económico com uma penhora do fisco às costas por dívidas ao mesmo, e salvo outras surpresas que possam vir da Global Notícias, os salpicos do novo surto também nos tocam, em casa, no PÚBLICO. Numa primeira fase, com uma diplomática carta de convite a “despedimentos por mútuo acordo”. Mas deixa no ar a mais que infalível nova remodelação.

O jornalismo actual faz fundamento da sua legitimação social a teoria do “interesse público”, ou seja, o conjunto dos interesses dos cidadãos em geral. E na afirmação deste princípio, na opinião de consagrados autores, privilegia a sua função de watchdog (cão de guarda) a vigiar o Estado para revelar os abusos contra o dito interesse público cometidos nas esferas governamental e política. Logo aqui, poderão ser levantadas duas questões: será neste papel da imprensa que se esgota a dimensão de “interesse público”, ou, mais terra a terra, do interesse do público (?); não será que, na prossecução deste fascínio, se tem esquecido de juntar a “Ética como fundamento da actividade jornalística?” (Questão levantada pelo livro de José Videla Rodriguez, Madrid, Ed. Fragua, 2004).

E para mais uma vez não aludir sozinho a uma insistente convicção, volto a socorrer-me de uma citação de António Guerreiro: “A partir do momento em que as notícias, de um modo geral, deixaram de ser a matéria-prima dos jornais, o poder oligárquico transferiu-se em grande parte para a chamada “opinião”, que se dilatou de maneira insensata e se tornou um derivado do entretenimento. (…) O jornalismo tornou-se assim mais um ramo da “indústria de conteúdos”.”  (PÚBLICO, Coluna Estação Meteorológica, Como se fosse um destino, 18.12.2015).

É evidente que são diversos os factores que contribuíram para esta “mortalidade infantil” da notícia nos jornais. Entre outros, o facto primacial dos jornais deixarem de ser os “únicos donos da notícia”. Ajuntam-se: a era do digital e do on-line com notícias a todo o segundo, com proveniência de vários autores e fontes, na maior parte das vezes, não identificadas, com a distribuição gratuita nas redes sociais; os concorrentes noticiários dos media audiovisuais a todo o momento; o grande abaixamento do financiamento pela publicidade nos jornais; o grassar da iliteracia face aos jornais por responsabilidade dos factores já citados e dos próprios jornais.

Na “indústria da imprensa”, em regra, as empresas de televisão conseguiram conformar-se melhor ao discutível pragmatismo da “audiência alcançável vendida ao anunciante”. Mas para já nem ter de falar da imprensa que faz da rentabilidade do seu negócio a exaltação do grotesco e de uma informação sem limites éticos, retomemos a questão da “mortalidade infantil da notícia”.  Não obstante todos os condicionamentos, aqui, é preciso corresponsabilizar principalmente os empresários destes media, com estatuto de seriedade. Metem-se em negócios destes por razões nem sempre claras, (porque teremos tantas empresas estrangeiras a comprar jornais portugueses?), subalternizando um princípio básico: o de que a “notícia” é mais dispendiosa em meios financeiros e recursos humanos de que a “opinião”. E creio que o interesse de muitos empresários é manter posição no terreno da “opinião”. Por outro lado, com esta política, relegaram para segundo plano a distribuição, serviço mais caro obviamente, e preferem chegar às elites do que ao “grande público”. (Confrange-me, eu que ainda sou um compulsivo leitor de jornais em papel, em certas cidades do país andar sem êxito à procura deles).

Dois ou três exemplos para demonstrar como a notícia não é devidamente aprofundada. Durante a campanha eleitoral para as legislativas foi notório o aproveitamento político da notícia posta a circular por parte do governo da devolução prevista para a taxa de IRS anunciada à beira das eleições em 35,6 % (Setembro) para depois das eleições (Outubro/Novembro) roçar os 0 (zero) %; sem pôr em dúvida as estatísticas do considerado INE, nem a justeza técnica das metodologias utilizadas, (índices económicos e de confiança, de pobreza, etc.) não seria de discutir mais e explicar os momentos temporais da sua divulgação; o relatório da UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental), divulgado sobre o final do ano dos gastos em Novembro de 278,3 milhões de euros deveria ter tido mais soletração; esta reenvio para a NET de todos os deveres do cidadão, quando 35% dos portugueses têm inacessibilidade a esse prodigioso instrumento tem de ser notícia mais ajuizadamente tratada. Não terá a imprensa noticiosa responsabilidades no facilitismo e não aprofundamento destes simplificados enunciados noticiosos? E já agora, face às eleições presidenciais, no campo noticioso, não deve constituir um programa de acção jornalístico, contrariar o que, justamente, denuncia no PÚBLICO de ontem, Luís de Sousa, (Uma luta desigual, pg.48): “Quando a agenda mediática se alinha demasiado com a agenda partidária, a democracia fica a perder”. E acrescento eu: Não basta a simples notícia-cobertura dos eventos realizados pelos candidatos, não basta entrevistá-los a todos, é necessário noticiar, explicativamente, as suas diferenças ideológicas e o que propõem trazer para a Presidência da República do País.

Um bom exemplo de jornalismo noticioso bem trabalhado pelo PÚBLICO foi aquele realizado durante a campanha para as eleições legislativas, com as reportagens de situações e problemas similares aos nossos noutros países, sob a tutela do programa “PUBLICO MAIS”, com reportagens financiadas por empresas e que é pena, se por falta de financiadores, não tiver continuidade. Sinceramente, por empresas filantrópicas ou não, era importante que o mundo financeiro sem comprar a notícia tivesse a convicção que financiá-la livremente é uma forma de sustentabilidade da democracia robusta, precioso terreno para os seus negócios. E seria também muito indispensável que os jornais sérios, seus jornalistas e empresários, contrariassem por todos os meios ao seu alcance esta “mortalidade infantil da notícia”. Sem ela o jornalismo de imprensa tem um futuro comprometido.

 

CORREIO LEITORES/PROVEDOR

Os leitores Fraga Oliveira, António Valério, Maria Laura, Maria Teresinha Abreu Palminha, pedem-me insistentemente para explicar os critérios da escolha dos comentadores colaboradores do PÚBLICO. Obviamente, não me compete essa tarefa. Tenho enviado os vossos e-mails para a Directora do jornal que sei vos irá responder.

 

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