Mudança de clima… na Arábia Saudita

País quer deixar a médio prazo os combustíveis fósseis e voltar-se para as energias renováveis.

Nesta primeira quinzena de dezembro, uma parte da atenção mediática está concentrada em mais uma conferência sobre o clima, agora em Paris.

No princípio do verão, a encíclica papal – Laudato Si – tinha trazido à ribalta os problemas relacionados com as, já imparáveis, alterações climáticas. Mas logo nessa altura tinha ficado claro que, se um apelo do líder religioso mais respeitado do planeta não pode ser ignorado, a razão e o bom senso não são suficientes para alterar políticas públicas reféns de concepções fossilizadas sobre o crescimento e o desenvolvimento.

Recorde-se, brevemente, que o Painel Intergovernamental sobre Alterações Climáticas – criado em 1988 para avaliar o problema – e o Protocolo de Quioto – assinado em 1997 visando a redução das emissões de gases com efeito de estufa – se mostraram insuficientes para reverter a acumulação de dióxido de carbono na atmosfera.

As tentativas mais recentes, desde 2009 em Copenhaga, para aprovar um acordo global de redução de emissões só conseguiram consenso sobre a data da tentativa seguinte. E agora, em Paris (depois dos atentados), volta a crescer o sentimento de que “desta é que é”. Será?

Há, de facto, sinais positivos. A evidência científica das alterações climáticas é avassaladora, tal como é reconhecido na encíclica papal. No mundo empresarial já não são só as empresas “verdes” e as seguradoras a defender políticas ativas de redução de emissões. No final de maio, seis empresas europeias do sector petrolífero ofereceram-se para ajudar a definir um preço para o carbono, matéria tabu até há pouco tempo.

Talvez mais importante, o relatório da Agência Internacional de Energia sobre Energia e Alterações Climáticas assinala que, em 2014, a economia mundial cresceu 3%, enquanto as emissões de CO2 do sector energético se mantiveram constantes. Acontecimento inédito nos últimos 40 anos! Afinal, o crescimento económico não depende do aumento do consumo de energia.

Mas os fatores negativos mantêm-se. Nos Estados Unidos, os “negacionistas” não desarmam e Jeb Bush, católico e pré-candidato republicano à presidência, foi dos primeiros a desvalorizarem a encíclica papal de maio. Mesmo a administração Obama dá sinais pouco encorajadores, com John Kerry a enfatizar que o acordo de Paris não será um “tratado” com força legal. E as petrolíferas e empresas mineiras continuam a resistir a qualquer iniciativa que possa reduzir os seus lucros. Também entre os países emergentes, como a Índia e o Brasil, há pouca substância atrás das boas palavras. Ou seja, um acordo eficaz à escala global não está mais próximo do que na conferência anterior.

Curiosamente, o que pode constituir um sinal de esperança apareceu sem grande alarido, não em Roma mas perto de Meca, na Arábia Saudita. Como se sabe, o maior exportador mundial de petróleo sempre teve uma visão de longo prazo relativamente à gestão deste recurso natural. Já na passada década de 70 o ministro da pasta, xeque Zaki Yamani, ficou conhecido por dizer, pensando no petróleo, que a Idade da Pedra não tinha terminado por falta de pedras.

Eis que, no princípio deste ano, o atual ministro do Petróleo, Ali Naimi, anunciou que a principal fonte de energia no país vai passar a ser o gás natural e que serão realizados vultuosos investimentos em energias renováveis. Em maio, avançou que a meio do século a Arábia deixará de necessitar de combustíveis fósseis e será uma potência global em energia eólica e solar. E, em outubro, a Saudi Aramco, empresa estatal de petróleos e a maior do mundo, juntou-se às empresas europeias que se dispõem a colaborar no combate às alterações climáticas.

Se a isto se acrescentar o aviso de Mark Carney, governador do Banco de Inglaterra, sobre os riscos dos investimentos em energias fósseis devido ao acelerado desenvolvimento de formas alternativas de energia, não podemos ignorar que está em curso uma revolução no campo das tecnologias energéticas.

Esta é, muito para além das grandes proclamações, a nossa melhor esperança na luta contra a mudança do clima.

Rui Gonçalves é engenheiro do Ambiente e ex-secretário de Estado do Ambiente

 

 

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