Uma aldeia sumiu na lama e o Brasil pondera: acidente ou crime ambiental?

A ruptura simultânea de duas barragens operadas por uma da maiores empresas mineiras do Brasil em Minas Gerais é já considerada a pior tragédia ambiental daquele estado brasileiro.

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Voluntários e habitantes limpam uma rua da Cidade da Barra, a cerca de 60 km de Mariana CHRISTOPHE SIMON/AFP

Bento Rodrigues é uma Pompeia moderna no sudeste brasileiro. Na quinta-feira à tarde, uma avalanche de lama inundou a aldeia de 600 habitantes no interior do estado de Minas Gerais, devastando casas, plantações e animais, depois de duas barragens operadas por uma empresa de exploração mineira se romperem. A passagem da enxurrada não deixou quase nada de pé; nem a escola, nem o casario colonial, nem a plantação de pimenta-biquinho que dava à geleia produzida localmente um sabor diferenciado. As imagens televisivas mostram um carro pousado no topo de uma casa sem telhado, como um equilibrista, pilhas de lama e detritos, casas esventradas, uma vasta área coberta de lama castanha, como que petrificada.

As equipas de resgate passaram o fim-de-semana a tentar encontrar sobreviventes, sem resultados. A última estimativa das autoridades locais é que 25 pessoas continuam desaparecidas, incluindo crianças. Duas mortes foram confirmadas e outros dois corpos foram encontrados até ao momento, mas ainda estão por identificar.

O acidente é já considerado a pior tragédia ambiental de Minas Gerais, um estado com uma longa tradição mineira e uma forte dependência desta indústria em termos de emprego e economia.

Bento Rodrigues foi a localidade mais atingida pela avalanche de lama, por ser a mais próxima das barragens e por se encontrar num vale, mas não foi a única. Em apenas um dia, a massa castanha avermelhada, composta por resíduos de minério de ferro, areia, argila e água, percorreu cerca de 100 km, inundando outras povoações da região. A lama, misturada com detritos, invadiu o Rio Doce, o principal da região, fazendo subir o nível das águas em 1,5m, o que só não provocou enchentes das zonasribeirinhas porque a região enfrenta uma das piores secas da sua história.

A estimativa do Serviço Geológico do Brasil era que a mancha de lama percorresse mais de 500 quilómetros ao longo do rio até terça-feira, o que poderá comprometer o abastecimento de água de meio milhão de pessoas nos estados vizinhos de Minas Gerais e Espírito Santo, por causa do alto risco de contaminação. As aulas foram suspensas em 12 escolas de Espírito Santo.

Crime ambiental?
Enquanto as televisões se têm dedicado à cobertura do acidente como qualquer tragédia, concentrando-se em imagens da devastação, nas operações de resgate e em entrevistas condoídas às vítimas – moradores de Bento Rodrigues que perderam tudo, famílias desalojadas, pais de crianças desaparecidas – e a imprensa tradicional insiste em falar de desastre ambiental, nos últimos dias uma outra narrativa emergiu nos media alternativos e nas redes sociais: a de que se tratou de um crime ambiental.

As duas barragens que rebentaram são operadas pela Samarco Mineração, empresa controlada por dois gigantes mundiais da indústria mineira, a Vale a anglo-australiana BHP Billiton. As causas das rupturas não foram determinadas até ao momento, mas na maioria dos casos são provocadas por uma saturação da capacidade das barragens, segundo os especialistas.

No ano passado, a Samarco produziu mais 9,5 milhões de toneladas de minério de ferro na sua unidade industrial de Mariana, em Minas Gerais, o que representa um aumento de 15%. O aumento da produção fez crescer também o volume de resíduos – impurezas, areia e químicos usados no processo de tratamento e separação do minério bruto – depositados nas quatro barragens situadas em Mariana, sem que estas tenham sido reforçadas.

A forma como as licenças de exploração mineira são concedidas foi questionada pelo promotor do Ministério Público de Minas Gerais, que está a comandar uma investigação para apurar as causas e responsabilidades do acidente.

O director da Samarco, Ricardo Viscovi, afirmou na sexta-feira que as barragens em causa tinham sido inspeccionadas em Julho e que se encontravam em condições “totais” de segurança. Mas o promotor Carlos Eduardo Ferreira Pinto criticou o facto de as inspecções serem feitas pelas próprias empresas e defendeu uma maior fiscalização ambiental das suas actividades. Um estudo técnico realizado há dois anos, a pedido do Ministério Público de Minas Gerais, tinha alertado para o risco de ruptura de uma das barragens que colapsou na quinta-feira. Dois dos problemas apontados nesse relatório eram a proximidade das barragens das localidades vizinhas e a inexistência de um plano de retirada das populações em caso de emergência.

No sábado, dois dias depois do acidente, a Samarco instalou pela primeira vez um sistema de alerta sonoro – depois das reclamações dos moradores, e apesar de a empresa ter insistido que cumpriu todas as normas de segurança previstas na legislação.

O governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, do Partido dos Trabalhadores (PT), deu uma conferência de imprensa no domingo na sede da Samarco, o que indignou alguns moradores de Bento Rodrigues, que estão proibidos de aceder ao local, sob o pretexto de que as condições no terreno são instáveis, enquanto camiões e funcionários da empresa mineira estão autorizados a circular. “Não podemos apontar culpados, sem uma perícia técnica mais apurada”, disse o governador, que tem defendido uma simplificação na atribuição de licenças ambientais, algo que é do interesse das empresas privadas. As empresas mineiras são as principais financiadoras de campanhas políticas em Minas Gerais.

A Presidente Dilma Rousseff reagiu através do Twitter, lamentando a tragédia e disponibilizando apoio do Governo. No seu último tweet, na sexta-feira, dizia que “é preciso apurar com rigor as causas e responsabilidades do acidente”. Não visitou a região nem as vítimas atingidas, nem se lhe conhecem outras declarações sobre o acidente.

Segundo o colunista político Leandro Mazzini, tanto Pimentel como Rousseff receberam doações da Vale – controla 50% da Samarco – para as suas campanhas eleitorais em 2014.

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