As "forças políticas antieuropeístas" (ou nem por isso)

Não comam a areia que vos atiram para os olhos, até porque Cavaco apenas fez o que o escorpião faz quando rodeado pelo fogo por todos os lados: morre de pé sem se entregar ao inimigo, rendendo o seu corpo, mas nem por isso a sua vontade

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Rafael Marchante/ Reuters

"Em 40 anos de democracia, nunca os governos de Portugal dependeram do apoio de forças políticas antieuropeístas, isto é, de forças políticas que [...] defendem a revogação" dos tratados europeus, "o desmantelamento da União Económica e Monetária e a saída de Portugal do euro, para além da dissolução da NATO". Mea culpa. Mea culpa a quantos votaram neste senhor para a Presidência da República. Mea Culpa a quantos se coibiram de votar quando este senhor se candidatou à Presidência da República. E se por outro lado os povos têm os líderes que merecem, então Cavaco é tão-somente o melhor exemplo dos últimos quarenta anos. Caso contrário, pode alguém explicar o porquê de tal eleição depois de episódios tão negros nos dias da democracia como foram os “secos e molhados“ ou a carga policial aquando do bloqueio da Ponte 25 de Abril? Compreendam, meus caros, esta é uma guerra classicista e Cavaco apenas é Cavaco por ter um asco de morte a todos quantos esperam, um dia, por uma vida melhor, até porque a mesma implica a perda automática das vidas faustosas que Cavaco, e outros tantos da sua laia, tiveram, e têm, à custa de todos nós. Logo por azar, ou ignorância, ou ambos, foram votar no homem, e por duas vezes! Dez anos disto! E ainda vamos ter de levar com o nome dele nos anais da História. Só mesmo nos anais...

Esclareça-se, portanto, não são o PCP e o Bloco quem são anti-europeístas, mas esta Europa quem se apresenta em tudo contra a vontade individual dos povos, Europa essa responsável, com o aval de Cavaco (e outros), pela desindustrialização de Portugal, pela destruição da frota pesqueira de um país com a maior zona económica exclusiva da Europa (sim, o nosso), pela desintegração da agricultura, assim tornando-nos reféns e dependentes da ajuda externa, sem quaisquer outros meios para nos financiarmos senão através de um endividamento crescente, o qual nos traz aos dias de hoje, à Troika, à intervenção externa, à perda da soberania, de volta à tirania e à vontade de outros que não nós, à vontade de outras mãos que não as nossas, de volta à ditadura, mas desta feita não a mesma, mas outra, sem Salazar e sem cadeira que nos ajude, Deus nos salve e Deus nos acuda.

Assim, despidos de tudo, despidos de direitos, despidos de filhos e futuro, sem roupas e sem dignidade, marchamos os nossos corpos nus pelas ruas e gritamos, porque ainda não nos tiraram as vozes, e nem por isso o direito ao voto. E por isso votem, e por favor votem, até porque as presidenciais estão aí ao virar da esquina, e de preferência noutro que não o Marcelo, homem do sistema, a mando e ordem dessa mesma Europa que nos emigra, desemprega e enterra, essa mesma Europa incapaz de bombardear os poços de petróleo do Estado Islâmico, essa mesma Europa incapaz de acolher refugiados, desta feita dando-lhes códigos de barras na vez de números tatuados na pele, para assim não nos esquecermos como, setenta anos depois, ainda somos capazes de criar campos de concentração dentro dos quais nos dedicamos avidamente à exterminação da nossa própria espécie, dia após dia, ano após ano, estupidamente eliminando a pool genética que um dia seria a nossa salvação... afinal, quem é antieuropeísta? Afinal, quem é anti-humanista? Porque no fim, tal como os piratas dos livros do “Astérix“, já não precisamos dos Gauleses para nada, uma vez que nós próprios nos encarregamos de fazer um grande rombo no costado...

E não comam a areia que vos atiram para os olhos, até porque Cavaco apenas fez o que o escorpião faz quando rodeado pelo fogo por todos os lados: morre de pé sem se entregar ao inimigo, rendendo o seu corpo, mas nem por isso a sua vontade. E talvez seja esse o único mérito de Cavaco, o facto de ter sido detestavelmente fiel aos seus princípios, tal como um inimigo que se preze deve ser. Felizmente, a História não acaba aqui, ou melhor, para o Cavaco a História acaba aqui, porque para todos nós, todos quantos nasceram e cresceram sob o seu jugo, ainda está por começar. Saibamos virar a página e escrevê-la condignamente.

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