Dicas de saúde para os futuros governantes

Trata-se de criar um “ecossistema” em que seja possível germinar a criatividade e utilizar o conhecimento.

Seja qual for o novo governo, as diretrizes que emanam de Bruxelas não deixarão grande margem para aventuras. Uma saúde com estrutura pesada, centralista e tipo “bolo de noiva” não permite também grandes reformas, seja qual for a ânsia de inovação dos dirigentes.

Inovar em saúde seria mesmo mudar de paradigma, o que não me parece possível com o conservadorismo dos dirigentes e dos próprios cidadãos. Para inovar em saúde teríamos de mudar de país.

Há anos que me dedico à prática médico-cirúrgica e, portanto, em contacto com a população. Há anos que estudo e penso sobre como melhorar, afinar, inovar, modificar para bem dos cidadãos e para a otimização dos serviços de saúde, baixando custos, criando valor para o cliente, atraindo receitas que sustentem o próprio sistema de saúde.

Há dez temas que penso serem importantes e que pretendo explorar nas próximas intervenções escritas. Sem obedecer a qualquer lógica de prioridades, começo pelo envelhecimento da população. Dizia Pedro Mota Soares que “é necessário promover uma cultura de envelhecimento ativo na Europa”, e que “a participação, a não discriminação, a solidariedade e a dignidade, os cuidados e a autorrealização das pessoas idosas” são fundamentais. Este é um assunto que vai ser tema central na Europa e é preciso encará-lo com toda a determinação. Foram palavras proferidas na Conferência Internacional “Envelhecimento e Inovação Social”, realizada na Fundação Calouste Gulbenkian em 2012. Contou com a presença de László Andor, comissário europeu para o Emprego, Inclusão e Assuntos Sociais, responsável pelo Ano Europeu do Envelhecimento Ativo e Solidariedade entre Gerações.

O ritmo de crescimento do número de pessoas com 60 ou mais anos aumenta em aproximadamente dois milhões por ano na Europa (duas vezes mais rápido do que anteriormente). A parceria europeia de inovação neste domínio visa aumentar em dois anos o tempo médio de vida saudável dos cidadãos europeus até 2020. Na União, a percentagem de trabalhadores ativos a entrar na faixa dos 55-64 anos varia entre 30% em Malta e 70% na Suécia. Este é um dos muitos desequilíbrios da União.

María Ángeles Durán explicou que, segundo a “escala de Madrid 2”, a necessidade de unidades de saúde até 2050 vai subir vertiginosamente, aumentando a carga em 33%. No mínimo terão de surgir inovação excecional e alterações profundas no sistema.

Pedro Pita Barros demonstrou como uma maior longevidade e uma menor população jovem aliadas a um fraco crescimento económico criam uma pressão muito grande e refere que estas condicionantes terão de alterar profundamente as carreiras profissionais. Os governos deverão começar já a lidar com este desafio político, económico e social. 

Quando eu era interno de cirurgia na África do Sul, um célebre professor e cirurgião cardíaco indiano ensinou-me que para parar as hemorragias da parede do coração ou da sutura de vasos usava a técnica dos três pês. Utilizei-a durante a minha vida cirúrgica e ainda a utilizo atualmente nas cirurgias que faço. Descobri agora os três pês ao ler um livro de Richard Florida sobre o desenvolvimento da classe criativa que nos poderia ajudar a resolver os problemas colocados anteriormente bem como muitos outros, entre os quais a hemorragia de jovens talentos para outros países.

Uma sociedade em que jovens e seniores com maturidade possam usar as suas capacidades para gerar mais-valias permitiria suportar toda uma sociedade de “envelhecimento ativo”, que por sua vez terá de cuidar de uma sociedade de verdadeiros seniores (acima dos 80). Trata-se, pois, de criar um “ecossistema” em que seja possível germinar a criatividade e utilizar o conhecimento.

Os três tês são, segundo Richard Florida, a Tecnologia, o Talento e a Tolerância. Argumenta o escritor que ambientes abertos à tolerância, como é o caso do Portugal em que temos vivido, têm a capacidade de atrair diferentes tipos de pessoas e gerações para o “caldo de cultura” que cria inovação e riqueza na economia social, na internacionalização, no mar, na indústria, no ensino e na medicina, por exemplo.

A geração “baby boom” atinge agora a idade da reforma e vai ser considerada nova. O Life Story Challenge, ganho por Bruno Põder, da Estónia, é o exemplo de como um cirurgião de 80 anos, ativo e sem jamais perder o otimismo, pode ser uma mais-valia para a sociedade. Ou o caso de Typhaine de Penfentenyo, que criou a organização Ensemble2Générations, ou ainda exemplo da cidade Dinamarquesa de Frederica com o Life Long Living (três lês).

"Um dia, o mundo será um grande lugar onde ninguém é visto como velho, mas como alguém mais adiantado na jornada da vida", Catarina Nunes.

Cirurgião cardiovascular

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