As companhias também se suicidam

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As fotos de altos quadros da Air France a fugirem de “trabalhadores em cólera” no dia 5 de Outubro, de camisa rasgada ou tronco nu, foram a imagem do dia nas primeiras páginas da imprensa internacional, do El País ao Financial Times, do La Repubblica ao New York Times. São imagens de um linchamento simbólico. O pior retrato que a França podia dar de si mesma e também um golpe no futuro da Air France. Mesmo as mais prestigiadas companhias podem morrer: das americanas PanAm e TWA às europeias Sabena ou Swissair.

Que se passou na segunda-feira? Duas centenas de assalariados irromperam numa reunião do comité de empresa em que a administração apresentava o seu “plano B” de reestruturação, que implica 2900 despedimentos e o encerramento de algumas rotas, depois de os pilotos terem inviabilizado o anterior plano de relançamento.

Agrediram altos quadros da empresa, como o director dos Recursos Humanos, que quase despiram. O primeiro-ministro, Manuel Valls, denunciou-os como “vândalos”. Parte da imprensa acusou os sindicatos de se demitirem do seu papel e, em particular, a central Force Ouvrière por lançar “petróleo sobre o fogo”.

Os jornais britânicos lembraram outras derrapagens de violência em França, como o sequestro de administradores na Goodyear, de Amiens, em 2014. “O caso Air France simboliza todas as taras e impasses do diálogo social à francesa”, escreveu o Libération. Por ironia, é uma das empresas que privilegiam o diálogo social.

Que está em jogo no conflito para lá violência? Na holandesa KLM, associada da Air France, os pilotos aceitaram um acordo de reformulação das suas condições de trabalho. Na Air France, os pilotos recusaram esse plano de reestruturação para diminuir os custos e aumentar a produtividade — previa a manutenção dos postos de trabalho e apostava no desenvolvimento de uma filial low-cost. Ao contrário dos holandeses, os pilotos franceses recusam partilhar sacrifícios.

A Air France está sob cerrada e dupla concorrência. De um lado, os transportadores low-cost, mas também as novas companhias de países emergentes e, sobretudo, as companhias dos Emirados, hiper-subsidiadas pelos seus governos.

“Adaptar-se ou desaparecer”, escreve o Le Monde. O Estado detém 17% da companhia e sempre adiou as reformas. Explica o jornal: “Durante anos, os executivos, fossem de esquerda ou direita, apoiaram uma política de compra da paz social para evitar as greves, em lugar de tomarem consciência da amplitude da crise e do risco de desaparecimento da companhia. Uma Air France sob pavilhão estrangeiro seria para o Estado um rotundo fracasso.” 

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