Francisco foi à ONU pôr a mão na consciência dos líderes mundiais

Em Nova Iorque, como um diplomata com licença para falar livremente, Francisco instou os governantes a reflectir sobre a forma como exercem o poder, como permitem que as guerras e as desigualdades aconteçam e persistam.

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Francisco elogiou o acordo sobre o nuclear no Irão Bryan Thomas/AFP

O discurso do Papa Francisco na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas foi uma chamada de atenção aos líderes mundiais sobre a forma como exercem o poder, e sobre os efeitos que esse poder tem sobre a natureza e os homens, quando é mal exercido. “A guerra é a negação de todos os direitos e um ataque drástico ao ambiente”, afirmou Francisco.

No seu discurso em Nova Iorque, Francisco juntou as preocupações que têm caracterizado os seus dois anos de pontificado: a injustiça e as desigualdades, a pobreza e a preocupação com a degradação ambiental, expressa na encíclica Laudato Si, de Julho, em que aborda praticamente todas as crises ecológicas do planeta – alterações climáticas, biodiversidade, água, poluição do ar, energia, resíduos, e fala na tecnologia como solução.

“A exclusão económica e social é a negação completa da fraternidade humana e uma grave ofensa contra os direitos humanos e o ambiente”, afirmou o Sumo Pontífice. Esta visão é adequada para o momento em que as Nações Unidas comemoram os 70 anos e aprovaram, esta sexta-feira, os novos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (17 objectivos e 169 metas de desenvolvimento a atingir até 2030, como um mundo sem fome nem pobreza extrema, sem sida nem malária ou tuberculose, com educação básica gratuita para todos e onde as mulheres não sofrem discriminação nem agressões).

O Papa elogiou muito os feitos das Nações Unidas em sete décadas de missões de paz, de resoluções de conflitos, e reconciliação e fez questão de vir falar com funcionários da ONU, ainda antes do discurso na Assembleia Geral. Mas, perante os líderes mundiais, assumiu uma posição mais crítica: “Os compromissos solenes não bastam, embora sejam um passo necessário para as soluções”, afirmou.

“A experiência dos últimos 70 anos tornou claro que a reforma e adaptação aos tempos é sempre necessária para garantir a todos os países, sem excepção, a participação, e uma oportunidade de influenciar de forma equitativa a tomada de decisões”, afirmou o Papa. “Dar a cada um o que lhe é devido, para citar a definição clássica de justiça, significa que nenhum indivíduo ou grupo pode considerar-se absoluto, pode passar por cima da dignidade e dos direitos de outras pessoas ou grupos sociais. “

Isto vale para respeitar a natureza, vale para respeitar os direitos dos mais pobres – vale também para o jogo de poderes entre os países nas Nações Unidas, e na muito falada necessidade de reforma do Conselho de Segurança, onde as nações ganhadoras da II Guerra Mundial – e as cinco primeiras a conseguir a bomba atómica – se atribuíram a si próprias um direito de veto que acaba por paralisar este órgão. “É especialmente necessário haver maior equidade em órgãos com capacidades executivas, como o Conselho de Segurança”, frisou Francisco.

A falta de entendimento no Conselho de Segurança tem permitido que continuem guerras, sem que os países se unam para uma intervenção internacional na guerra na Síria, por exemplo.

Pensem nas pessoas

Francisco elogiou o “acordo recente sobre a questão nuclear numa região sensível do Médio Oriente” – o Irão, sem o mencionar – como “prova do potencial da boa vontade política e da lei, exercida com sinceridade, paciência e constância”. Mas apelou “aos responsáveis pela condução da política internacional que examinem a sua consciência” reflectindo sobre o que se passa nos conflitos do Médio Oriente, do Norte de África e outros países africanos.

“Cristãos, e membros de outros grupos culturais ou étnicos, e até mesmo membros da religião maioritária que não querem juntar-se à loucura e ao ódio, têm sido forçados a ver a destruição dos seus lugares de culto, da sua herança religiosa, das suas casas e bens, e têm sido confrontados com a alternativa da fuga ou de pagar com a vida, ou serem escravizados, por escolherem o bem e a paz”, declarou o Papa na ONU, numa referência directa ao grupo Estado Islâmico – embora sem o mencionar.

“Em todas as situações de conflito, há seres humanos reais, cujos interesses devem preceder os das partes envolvidas, ainda que estes possam ter toda a legitimidade”, afirmou Francisco. “Em guerras e conflitos há pessoas individuais, nossos irmãos e irmãs, homens e mulheres, jovens e velhos, rapazes e raparigas que choram, sofrem e morrem. Seres humanos que são facilmente desperdiçados, quando a nossa única resposta é redigir listas de problemas, estratégias e desacordos”, criticou o Sumo Pontífice.

Estes seres humanos sofrem também quando as agências financeiras – outros órgãos executivos internacionais, como o Banco Mundial ou Fundo Monetário Internacional “criados especificamente para lidar com as crises económicas” lhes fazem guerra de outra forma. “Deviam cuidar do desenvolvimento sustentável dos países e limitar todo o tipo de abuso e usura, garantido o seu desenvolvimento sustentável, em vez de submetê-los a sistemas de empréstimo opressivos que, em vez de promover o progresso, sujeitam as pessoas a mecanismos que geram mais pobreza, exclusão e dependência”, afirmou o Papa.

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