Partido que aceitou "responsabilidade política" por um assassínio em 3.º lugar

O Aurora Dourada, partido que os especialistas não hesitam em classificar não só de extrema-direita como neonazi, tem entre 5% e 7% nas sondagens.

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Manifestação da Aurora Dourada em Atenas, na semana passada Michalis Karagiannis/Reuters

Na semana final de campanha, o partido neonazi grego Aurora Dourada fez uma afirmação insólita: aceitou a “responsabilidade política” do assassínio do rapper e activista de esquerda Pavlos Fyssas, quase exactamente no segundo aniversário da sua morte.

“Enquanto falarmos de responsabilidade política, aceitamo-la, mas não há responsabilidade criminal”, disse o líder do partido, Nikos Michaloliakos, numa entrevista radiofónica. “Só porque um membro do partido teve uma acção errada, isso não quer dizer que todo o partido deva pagar”, argumentou.

A Aurora Dourada, um partido político que rejeita a etiqueta neonazi que os analistas lhe colam, manteve sempre nas sondagens entre 5 e 7% das intenções de voto, sendo o partido em terceiro lugar. Ainda é cedo para saber se esta afirmação terá consequências, mas a especialista em extrema-direita Daphne Halikiopoulou, da Universidade de Reading (Reino Unido), disse por telefone que este terá sido um erro de cálculo de Michaloliakos. “No fundo, o que ele fez foi aceitar que houve uma dimensão política no assassínio, o que torna o partido claramente neonazi” – uma das características é a luta contra inimigos internos, normalmente de esquerda, diz.

Agora, defende Halikiopoulou, “os eleitores da Aurora Dourada estão mais conscientes do que vão votar”. Ainda que nem todos partilhem das ideias neonazis: “Há uma parte do seu eleitorado que é apenas anti-sistema, com alguma tendência autoritária, de direita, ou anti-imigração.”

Na campanha, o partido apresenta-se como “a única escolha nacionalista”.

Usou, claro, a crise dos refugiados, com responsáveis da Aurora Dourada, incluindo Ilias Kasidiaris, a visitar as ilhas de Kos e Lesbos, onde tem chegado a maioria de refugiados desesperados em barcos insufláveis da Turquia, mas onde não há condições para receber o enorme fluxo de pessoas.

Os membros do partido falaram com habitantes locais preocupados com as consequências da presença dos refugiados no turismo e na vida das ilhas. “Kos tem uma escolha”, disse Kasidiaris. “Votar no Syriza e transformar-se no Paquistão, ou escolher a Aurora Dourada, e se a Aurora Dourada mandar, Kos será Grécia de novo.”

Passados dias, houve um ataque violento a refugiados e voluntários em Kos, uma coincidência que não passou despercebida.

A violência ligada aos militantes do partido diminuiu com o processo que começou após a morte de Pavlos Fyssas. Foi a primeira morte de um grego – antes, os neonazis tinham atacado violentamente e morto estrangeiros. Foram detidos 69 membros do partido, incluindo a maioria dos deputados, e o seu líder, acusados de assassínio e associação criminosa.

O julgamento foi entretanto adiado até à semana após as eleições, e o líder da Aurora Dourada já esteve livre nesta campanha, em contraste com o que aconteceu nas eleições de Janeiro, quando fez campanha a partir da prisão: chegou a falar em comícios ao telefone, ligado a um altifalante. Ainda assim, ele e outros 13 deputados presos foram reeleitos.

Nesta campanha, apesar dos seus líderes estarem agora em liberdade, o partido já não teve presença no espaço público como em 2012 (quando obteve 6,9%, quando em 2009 tinha conseguido apenas 0,3%). Os media já não convidaram os seus líderes para os debates (como em 2012 quando um deputado, Ilias Kasidiaris, deu uma estalada a uma deputada e atirou água de um copo a outra), e já não mostraram os seus membros a acompanhar idosos ao banco para que receberem a sua reforma em segurança.

Mas apesar desta menor visibilidade nas ruas, o partido poderá ter um aumento de votos em relação a Janeiro. Para o jornalista Dmitris Psarras, que escreveu dois livros sobre o movimento, este aumento não será muito significativo. “Não vai sair da franja dos 6,5- 8%”, disse ao diário espanhol El País.

Daphne Halikiopoulou não faz previsões. Mas sublinha que “a considerável presença política da Aurora Dourada deve-se precisamente ao seu carácter anti-sistémico, e acontece apesar dele”. Uma das suas estratégias é apresentarem-se como vítimas de uma elite corrupta, e ainda recentemente os seus membros comparavam o julgamento dos seus líderes à prisão do filósofo Sócrates.

Ser o terceiro partido na Grécia tem força – nem que seja porque nas discussões para quem forma governo, o Presidente dá um mandato ao primeiro partido para que este forme uma coligação, se este falhar, o mandato passa para o segundo, e finalmente para o terceiro. Claro que a Aurora Dourada nunca formaria um governo, mas que tenha o mandato seria suficientemente simbólico para um partido em torno do qual está estabelecido um cordão sanitário.

Halikiopoulou nota ainda que a performance da Aurora Dourada estará ligada à do Syriza – e ao modo como irão reagir os eleitores desencantados que escolheram o partido de Alexis Tsipras como alternativa contra a austeridade agora que este a aceita.

No fundo, a situação política polarizou-se de novo na Grécia, com dois principais partidos (o Syriza a substituir o Pasok), e extremos dos dois lados. “A dúvida é saber se a fragmentação de 2012 foi uma aberração e vamos ter de novo uma polarização normal, ou não.”

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