França x Portugal: um desporto, duas formas de jogar

Depois de anos no CDUL e a treinar com a selecção nacional, a mudança para Perpignan leva a reflectir sobre a prática da modalidade nos dois países

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Ao fim de cinco semanas de uma nova experiência em Perpignan, já consigo ter uma primeira impressão sobre as diferenças que existem entre o râguebi praticado em Portugal e em França. Aqui, os jogadores adaptam-se às bases técnicas muito mais cedo e muito mais facilmente, logo a partir dos sub-16, quando o foco principal dos treinos é a leitura do jogo e os pequenos detalhes.

 

De seguida, o que observei é que o nível de exigência francês é muito superior. Cá, em Perpignan, numa semana tive que aprender entre 15 a 20 movimentos na touche, só para a segunda linha, fora o mesmo número de movimentos em mais cinco posições. Além disso, o modelo de jogo é muito mais complexo e não permite erros individuais. Um exemplo: estava eu no treino e fui limpar um ruck a que supostamente não era eu que tinha que ir; o treinador diz-me que "o ruck era de outro jogador" e ficou chateado. Eu fiquei a pensar naquilo. Ele deve ter percebido e então explica-me: "Aquilo que acontece no campo tem um efeito dominó. Uma falha de um jogador faz outro jogador falhar e, para que isso não aconteça, tu só tens que te preocupar com o teu trabalho. Esquece o primeiro ruck; se esse primeiro ficar instável, tu só tens que garantir a estabilidade do segundo, porque não podemos é ter dois rucks instáveis". Na minha cabeça ficou gravado: responsabilidade individual. E desde aí percebi o quanto está tudo calculado, que o modelo de jogo está definido e que não o podemos mudar da forma que queremos.

 

Aliás, comparando também os modelos de jogo, noto que em Portugal praticamos um râguebi muito previsível – que alguns dizem ser "um râguebi antigo" – em que se torna fácil defender a velha regra de serem necessários três a quatros jogadores para garantir um ruck, quando bastariam para isso dois atletas, o que automaticamente deixaria outros dois para usar no ataque. Já em França, faz-se aquilo a que não estamos habituados: temos que ir a dois rucks seguidos, por exemplo, e isso é obrigatório, até porque, se não o fizeres, o treinador tem um ataque de nervos.

 

Outra coisa em que também noto diferença é a atitude nos treinos. Em França, um treino dura no máximo uma hora e não temos a tal desculpa de que "não correu bem – vamos tentar de novo". Se fizeste asneira, apontam-te porque é que não correu bem e segues em frente com o treino, o que faz com que o sentimento de culpa ajude a aprender a lição. E também não há tempo para segundas tentativas porque o grau de competição do campeonato francês é muito mais elevado. Enquanto em Portugal temos quatro jogos por época em que o nível é realmente exigente, aqui temos 28 a 30 jogos assim, sempre no grau máximo. A velocidade do jogo, a rapidez de reacção dos jogadores, a comunicação, tudo é diferente. Mas a competição começa dentro da equipa, onde todos os dias tens que melhorar para não perder o lugar. Todos os dias és obrigado a mostrar mais e mais valor, para conseguires surpreender o treinador e demonstrar evolução – o que, em Portugal, só acontecerá em duas ou três equipas, no máximo.

 

Em França, o sonho de cada atleta não é, portanto, chega à selecção para receber o estatuto de Alta Competição e entrar mais facilmente na faculdade, esquecendo por completo os valores que o râguebi lhe ensinou. O sonho é chegar a jogador profissional, ser o melhor e deixar a sua marca na história do clube, da selecção e do râguebi mundial. Por causa disso, os atletas mais novos não têm medo de discutir o lugar com um jogador mais velho. Não se trata de lhes "faltar ao respeito", mas sim de trabalhar mais para mostrar melhores capacidades do que quem já tem o lugar cativo. Isso é uma competição interna saudável e não se reflecte dentro do campo – toda a equipa sabe distinguir a competição interna da externa.

 

Agora, a jogar em solo francês com atletas de diferentes nacionalidades, parece-me que essa ambição também fazia falta em Portugal. Aí, quando um jogador chega a sénior (em equipas como o CDUL, o Direito, o Agronomia, o Cascais, o Belenenses ou o Técnico), evolui no primeiro ano e no segundo; depois, a sua evolução pára por ali. Não há ambição para mais. É por isso que aquilo que o CDUL tem vindo a fazer ao levar jogadores mais experientes para o clube, como aconteceu quando foi buscar o Seti Filo, tem um efeito óptimo nos atletas portugueses mais novos. Leva-os sempre a aprender coisas novas, impõe-lhes um ritmo de trabalho mais elevado, puxa por eles. E se em Portugal isto acontece só com um jogador, imaginem em França, onde se faz com uma equipa inteira.

 

"Nós, os jogadores mais velhos e formados, temos prazer em ver os de 19 ou 20 anos a fazerem o mesmo trabalho que nós, tão bem ou até melhor. Isto só prova que o futuro do USAP está bem entregue". Foi um atleta da equipa Pro que me disse isto há dias, numa conversa, e eu também fiquei a pensar nisso. Mas o facto é que essa filosofia não vem só de hoje: o râguebi francês é diferente porque aqui a modalidade é divulgada, as pessoas conhecem-na, seguem-na, vivem com ela. Não é por acaso que, na televisão, há mais anúncios com estrelas de râguebi do que com craques do futebol ou de outros desportos. Isso estimula o público, traz mais praticantes para a modalidade, mantém os estádios cheios. No fundo, traz mais competitividade ao râguebi e todos beneficiam com isso.

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