Eleições a 4 de Outubro — onde paira a indecisão?

Penso que a indecisão nas próximas eleições vai começar por incidir, em muitos casos, sobre o próprio acto em si, se se irá, ou não, votar.

Na carta destacada como “carta da semana” no semanário Expresso do dia 15 de Agosto, o seu autor, oriundo do Porto, termina-a dizendo: “Gostaria de votar sabendo que não me vou desiludir dentro de pouco tempo, mas isso afigura-se-me praticamente impossível. E então, como gerir o conflito entre manter a cidadania responsável e votar dentro de um sistema eleitoral em que já não se acredita?”

No PÚBLICO do dia 16 de Agosto um médico psiquiatra, escrevendo num artigo de debate em que discorre sobre os neurónios-espelho, põe o dedo numa grande, enorme ferida da presente campanha eleitoral, dizendo sabiamente que “por mais competentes que sejam os estrategas de marketing e comunicação dos partidos políticos, não é possível através da imagem e de algumas frases conquistar a confiança das pessoas. A escolha do voto… tem uma forte componente emocional… necessitamos de lideres políticos que usem de facto os seus neurónios-espelho, pois é a única forma de compreenderem as dificuldades e aspirações do povo que se propõem governar?”

Num artigo que subscrevi aqui no PÚBLICO no dia 28 de Abril, sobre o tema da abstenção, eu tinha terminado questionando: “Como é possível inverter a espiral depressiva, e de descrença, que tomou conta de tanta gente? Em última instância, como fazê-las acreditar que votar, ou seja escolher, valerá a pena?”

Saliento estes três excertos de artigos por uma razão: estar convicta que não é só, nem sequer principalmente, entre as duas principais forças políticas em presença que os cidadãos vão estar indecisos nem entre elas e outros partidos em presença, os que já cá estavam e os que vieram de novo ou apresentaram novas “roupagens”.

Ao contrário do que parece ser a opinião generalizada entre políticos, dirigentes partidários, comentadores, institutos de sondagens, meios de comunicação social, penso que a indecisão nas próximas eleições vai começar por incidir, em muitos casos, sobre o próprio acto em si, se se irá, ou não, votar. Se votar valerá a pena o esforço. Há um histórico que convém ter presente, o histórico dos níveis de abstenção e de votos perdidos em eleições legislativas, que torna legítima a ideia de que existe como que uma espiral “recessiva” nas votações em Portugal — a par do que acontece noutros países, reflectindo o progressivo desvinculo entre forças políticas e eleitorados.

Ano de 2005 Abstenção: 36%; Votos brancos: 1,80; Votos nulos: 1,14
Ano de 2009 Abstenção: 40%; Votos brancos: 1,74; Votos nulos: 1,35
Ano de 2011 Abstenção: 42%; Votos brancos: 2,66; Votos nulos: 1,42

E anote-se que no caminho são deixados os resultados das eleições europeias (2009) 66% de abstenção e que no ano de 2011 se justificaria pensar que as expectativas face a uma nova governação do país seriam bem elevadas e por isso teria sido esperável uma participação mais substantiva e incisiva.

É difícil imaginar que resultados irão sair das próximas eleições, tendo como base as sondagens tradicionais conduzidas. É por demais um dado adquirido a tornar-se quase “histórico”  que nas sondagens pré-eleitorais os níveis de abstenção registados têm, sistematicamente sido inferior aos reais, mesmo quando elas estiveram próximas, em tempo, do acto eleitoral. Donde a cada vez maior relevância das sondagens à boca da urna para efeitos das primeiras análises efectuadas, quando ele termina.

Este desfasamento terá que ver, em Portugal como noutros países, com a atitude dos eleitores face ao acto de votar, detectada através de outro tipo de estudos junto do seu universo potencial. Há em muitas pessoas a ideia de que não votar representa uma falha de cidadania recorde-se a “carta da semana” do Expresso intenção, que a existir, não se quererá revelar a um desconhecido (o entrevistador), ou a uma instituição que se ignora quem seja (um gabinete de estudos? Ou um partido político?  

Mas as sondagens à boca da urna, naturalmente, não funcionam quando se torna necessário corrigir, em tempo útil, as estratégias adoptadas e que deveriam assentar, antes de mais nada, na necessidade de mobilizar o eleitor para o voto. E as dúvidas que essas estratégias levantam são, quase sempre, mais do que muitas. Como agora. Ou sobretudo agora, quando a abstenção pode vir, mais do que noutras eleições, penso, confundir resultados. Tentarei explicitar algumas das dúvidas que me assaltam

Será o medo da instabilidade (a decorrer de uma “maioria equívoca”) suficiente para superar a desesperança de tantos desempregados, alguns de longa duração, a angústia dos reformados, muitos sem meios para sobreviver decentemente e só neste último grupo, falamos de mais de um milhão de almas a raiva dos que viram os seus rendimentos cortados ou dos que enfrentam processos de “lay off” parciais, as ansiedades dos endividados, particulares e pequenas empresas? E, portanto, suficiente para mobilizar estes grupos de eleitores? A sua vida não estará já bastante desestabilizada?

Serão as expectativas de recuperação de rendimentos, através de vias alternativas às actuais políticas, bem percebidas e suficientemente credíveis por aqueles que vêem os seus salários não chegar ao fim do mês e por aqueles que encaram, com fundados receios, os aumentos de custos em áreas como a educação e a saúde? Serão estes grupos mobilizáveis como eleitores potenciais, em número suficiente?

Serão as expectativas de políticas mais protectoras do factor trabalho suficientemente credíveis (e sem consequências negativas a outros níveis) para se votar a favor de quem as defenda? E assim sendo, mobilizar eleitores envolvidos?

Terá a possibilidade de vir a renegociar a dívida suficiente potencial para mobilizar um grande número de eleitores, mesmo os que lhe reconheçam benefícios? O exemplo da Grécia dará que pensar.

Será o número de eleitores indefectíveis dos partidos, nomeadamente dos que (ainda) constituem o chamado arco do poder, suficiente para se atingir mínimos necessários para as “maiorias inequívocas” necessárias?

É que resta pouco tempo, até às eleições, para recriar os vínculos desejáveis com a significativa massa dos restantes eleitores, dos voláteis, dos que já desistiram, dos que estão a “esperar para ver”. E em geral de todos aqueles que até agora não encontraram ainda no seu horizonte o líder político que os faça sentir que sim, que o seu voto vai valer a pena, seja qual for a opção partidária/as opções programáticas que fizerem. Como o conseguiu a seu tempo Le Pen em França quando foi necessário consegui-lo.

Para combater a “espiral recessiva da abstenção”.

Consultora de marketing e estudos de opinião

Sugerir correcção
Ler 3 comentários