Estar à frente
As pessoas que estão à frente de uma bicha, por razões fisica e temporalmente legítimas, deveriam ter o direito de dizer que estão à frente de uma bicha porque merecem, sem terem de invocar favores ou justificações.
Eu tenho um cesto com seis artigos. Toda a gente com 3 ou menos artigos passa a achar-se no direito de me ultrapassar, só porque compraram menos coisas. E se eu tivesse 60 ou 600 artigos? Nesse caso toda a gente passaria à minha frente, apesar de eu ser (segundo uma concepção há muito esquecida) o melhor freguês.
Um tem um litro de vinho. Outra tem só um pão. Apelam à minha inesgotável culpabilidade. É como se dissessem: "eu sou um alcóolico pobre" ou "um pobre que só tem dinheiro para comprar pão".
Tudo isso eu aceito. Orgulho-me de deixar sempre passar quem pede. Isto apesar de saber que, na cultura portuguesa, não há uma única resposta à pergunta "Não se importa que eu...?". Nunca completam a pergunta com as palavras escandalosas que subentidamente se seguem que são: "que eu passe à sua frente?".
Em Portugal e em português se formos cavalheiros de uma certa idade e educação não podemos responder que "por acaso, importo-me". É a pergunta ("importa-se?") que é agressiva.
As pessoas que estão à frente de uma bicha, por razões fisica e temporalmente legítimas, deveriam ter o direito de dizer que estão à frente de uma bicha porque merecem, sem terem de invocar favores ou justificações.