Uma casa airosa para três homens de Matosinhos que não tinham casa

Câmara de Matosinhos entregou a primeira casa que vai servir de habitação partilhada a três munícipes do concelho. Guilherme Pinto quer replicar a iniciativa noutros locais.

Foto
A primeira experiência do projecto Habitação Partilhada, em Matosinhos, vai reunir três homens debaixo do mesmo tecto Adriano Miranda

Estavam um pouco nervosos, naquela quarta-feira de manhã. Já tinham ido ver a casa umas poucas de vezes, tinham ajudado as técnicas e responsáveis da Matosinhos Habit a escolher os materiais para equipar a airosa moradia T3 no Bairro dos Pescadores, em Matosinhos.

Foi tudo conversado, planeado, discutido. “Acho que já só fica a faltar um pequeno escadote para se poder limpar por cima dos armários da cozinha”, avisava Joaquim Almeida, 57 anos, morador solitário há mais de 18 numa  pequena casa de Custóias, momentos antes de assinar o contrato de utilização da primeira habitação partilhada do concelho.

Não, não faltava a escada, que Vera Santos, coordenadora do Departamento de Gestão Social e Habitação da Matosinhos Habit e a sua equipa também se tinham lembrado disso. “Mas nós estamos aqui próximo, qualquer coisa que falte, estamos pertinho para poder resolver”, respondeu-lhe a responsável, referindo-se à proximidade física da sede da empresa.

Á porta da casa airosa – ficou assim depois das obras, que a puseram a sobressair de todas as demais, de portas e janelas azuis, pintadas de fresco –, o nervoso miudinho pressentia-se. Sobretudo nas técnicas, que andaram durante um ano a trabalhar para que o projecto A Nossa Casa - Habitação Partilhada, e que estavam finalmente prestes a vê-lo ter início. “Já tivemos muito trabalho. Mas só agora é que vai mesmo começar, e vamos ver se resulta”, confidencia Luísa Gomes, a assistente social que ajudou a seleccionar, entre muitos outros “candidatos” que começaram a ser estudados (inicialmente, sem o saber) como potenciais pioneiros do projecto de partilha de habitação.

“Vai ser uma experiência e tanto, para todos”, admitiu Vera Santos, não escondendo que na vizinhança, no Bairro dos Pescadores, os novos moradores não vão encontrar propriamente “passadeiras vermelhas”. “Há alguma resistência, e estranheza, pelo facto de serem três homens, e por um deles ser de cor, o primeiro do bairro”, explica.

“Estamos preparados para tudo”, diz Joaquim Almeida, natural de Cinfães, apostado em ter “paz e sossego” e um fim de vida melhor. Será acompanhado por António Teixeira, de 50 anos, até então residente em Santa Cruz do Bispo “num quarto emprestado” e cujo ultimo emprego que conseguiu, como cantoneiro da Junta, já terminou no longínquo ano de 2002. E ainda Augusto Fernandes, 59 anos, natural da Guiné e ex-craque da bola – jogou no Benfica no tempo de Shéu, conheceu muitos clubes de várias divisões, e muitas estradas Europa fora no último emprego que conseguiu, como motorista de camião, antes de ficar desempregado e a viver num quarto alugado em São Mamede Infesta, cuja renda lhe consumia a totalidade do rendimento que conseguia auferir por mês. “Ficava com 20 euros para as minhas despesas”, explica ao PÚBLICO. 

De freguesias diferentes, de clubes diferentes (um é do FC Porto, outro do Sporting e outro do Benfica), de experiências de vida diferentes (cantoneiro, operário da construção civil, jogador de futebol), tinham em comum o facto de, em determinada altura, terem pedido uma casa à Matosinhos Habit. Preparam-se agora para partilhar o tecto, a cozinha, a sala, a casa de banho, a lavandaria e o jardim, e também não escondem a vontade de recomeçar.

“Vamos ficar muito bem instalados. A casa está espectacular”, comentou António Teixeira, satisfeito por ver no quarto uma secretária para colocar o computador. “É onde passo mais o tempo”, explica.

Também Joaquim Almeida está cheio de planos. Os colegas de casa dispensaram-lhe o quinhão que teriam no quintal, para ele plantar a horta, que há-de servir a todos. “Estou muito habituado a fazê-lo. Já aqui vamos ter couves para o Natal”, diz, entusiasmado.

Se todos eles mostraram algumas reticências – sobretudo espanto –, quando a Matosinhos Habit indagou a receptividade de em vez de esperarem por um T1 alinharem na partilha de um T3, agora parece que não há dúvidas de que a experiência tem tudo para correr bem. Quem sabe se não ficarão, até, amigos. “Temos essa expectativa”, admitiu Joaquim.

As regras estão decididas – e foram definidas por todos. Ninguém fuma dentro de casa, não são permitidos animais domésticos, as visitas não podem pernoitar na habitação, cada um limpa o seu quarto e a limpeza dos espaços comuns é assegurada de forma rotativa entre todos. Em vez de uma renda, cada um dos moradores pagará 20% do rendimento que auferir, como taxa de utilização da casa.

Se as técnicas da Matosinhos Habit não escondem que este é um projecto pioneiro, que carece de avaliação ainda antes de ser replicado, já o presidente da Câmara, Guilherme Pinto, não esconde a confiança de que podem já começar a procurar outras casas e outros inquilinos para a repetir. “Isto tem tudo para dar certo, acredito mesmo que é uma solução a repetir sobretudo para a população mais idosa, que resiste em ir para lares, que ainda tem autonomia, mas que enfrenta a solidão”, afirmou. “Mas agora é com eles. Desde que não se zanguem por causa de uma partida de cartas, ou de um jogo de futebol, não vejo porque não há-de resultar”, brinca Guilherme Pinto.

A verdade é que ainda não tinham partilhado tecto mas já se sentiam cumplicidades: Joaquim pediu o carro emprestado ao sobrinho e ofereceu-se para ir ajudar Augusto a fazer as mudanças.

Sugerir correcção
Comentar