Entre o CDUL, o Sporting e os pára-quedas

João Pisoeiro foi um dos jovens que o projecto "Desperta no Desporto" recrutou. Há dias treinou pelo Sporting e agora será a Força Aérea a decidir se levanta voo ou regressa aos relvados

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Nuno Ferreira Santos

João "Pizas" Pisoeiro foi um dos participantes do projecto "Desperta no Desporto" que ficaram pelo caminho, mas apenas no que se refere aos relvados. O jovem "Pizas" perdera o pai aos 14 anos e Rafael Lucas Pereira descobriu-o pouco depois, na fase em que "estava a dar em maluquinho", como assume o próprio estudante de Informática ao lembrar-se dos seus anteriores comportamentos de risco, como violência para com colegas, indisciplina nas aulas, suspensões escolares e reprovações sucessivas.

 

Em 2010 o órfão rebelde acedeu então a experimentar o râguebi, em 2011 já era um entusiasta da modalidade e agora, passados quatro anos, o prazer que dela retira continua a ser o mesmo, sem eufemismos: "O melhor de tudo é a pancadaria. Foi disso que eu gostei. Não era o gozo de agarrar na bola e tirá-la aos outros, nem o de marcar ensaios – era mesmo a porrada que se dá. Aquilo mexe-nos com a adrenalina e eu parecia masoquista – podia doer-me, mas eu ia lá bater outra vez e insistia. No fundo, acho que isso me ajudava a libertar a raiva".

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João reconhece que, no início, a sua resistência aos treinos no CDUL se deveu a mero comodismo, sobretudo devido à distância entre Fetais, onde morava, e o Estádio Universitário de Lisboa. "Os horários das camionetas eram sempre muito complicados e, se eu perdia uma, tinha que ficar 45 minutos à espera da próxima. Com os treinos três vezes por semana, chegava sempre às 23h00 ou 23h30 a casa e depois às 07h00 ou 07h30 já tinha que estar a pé outra vez. Com as aulas ao mesmo tempo e com jogos ao sábado e domingo, não era fácil... Depois ainda havia o gozo dos meus amigos, a dizerem que eu ia para o râguebi porque gostava de me agarrar a homens", conta, no tom jocoso de quem não se sentiu ameaçado pelas piadas.

 

O atleta persistiu assim devido ao incentivo da mãe, da avó "e do Rafael", que foi bem claro logo de início: "Disse-me que, para eu andar no clube, tinha que me portar como deve ser ou não me deixavam continuar. E eu ganhei responsabilidade. Tinha que ser rígido, porque era o nome do Rafael que estava em causa e eu não o podia manchar. Não é que fosse um miúdo mau, assim perigoso, mas, com as más companhias... Se não fosse o râguebi, ia tornar-me um bandido como os que andavam lá no bairro".

 

Com os treinos e jogos a funcionarem como escape e terapia, João foi evoluindo e, a certa altura, tornou-se mesmo uma das promessas para a selecção nacional de Sub-20. Uma lesão no joelho impediu-o, no entanto, de ingressar na equipa nacional e, embora continuando a jogar pelos seniores, o jovem sentiu-se desmoralizado. "Fiquei um bocado em baixo porque me esforcei ao máximo e não falhava. Chegava sempre a horas, era dos primeiros a aparecer e dos últimos a sair", desabafa. Foi a partir daí que se tornou "mais complicado conjugar tudo": surgiu a namorada "que reclama um bocadinho da falta de atenção", começaram as aulas de condução, intensificaram-se os estudos do curso de Informática e desenvolveu-se a ideia de uma carreira nas Forças Armadas. Assim dividido, a meio da época 2013-14 João abandonava o râguebi.

 

Mais de um ano depois, ao partilhar a sua experiência com o P3 Râguebi, a conversa sobre o "Desperta no Desporto" deixa-o melancólico. Confessa que tem saudades da competição, que sente falta dos colegas. "Tenho algum arrependimento", sintetiza. "Mas como não gosto de estar sempre fechado no mesmo sítio e sou mais de aventura, vou tentar entrar nos Pára-quedistas, que também são um bocado apanhados da cabeça".

 

Caso tenha sucesso, João manter-se-á afastado do râguebi, por incompatibilidade de carreiras; caso não aceda ao Exército, terá que procurar emprego e será esse a determinar a sua eventual disponibilidade para um regresso aos relvados. Prognósticos à parte, entretanto o apelo do jogo já bateu mais forte: alguns dias após a entrevista, João alinhava pelo Sporting em Santarém e voltava a deslizar na relva em placagens maciças, das que lhe doem no corpo e animam a alma. Antes de retomar a "pancadaria", já tinha dito: "Posso ter outras prioridades agora, mas vou sempre ter muito por que agradecer ao râguebi".

 

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