Gravidez: "Não sou criança, não sou menina, eu sou mãe"

O projecto “Teen Mom”, do fotógrafo uruguaio Christian Rodriguez, aborda a gravidez na adolescência no Brasil, México e Uruguai. Rodriguez acompanha casos de meninas que são mães entre os 10 e os 16 anos de idade e aponta a origem e consequências do fenómeno

O fotógrafo Christian Rodriguez
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Teen Mom de Christian Rodriguez
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Teen Mom de Christian Rodriguez
©Christian Rodriguez
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©Christian Rodriguez
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O fotógrafo uruguaio Christian Rodriguez desenvolve, há quatro anos, o projecto “Teen Mom”, que incide sobre o tema da gravidez na adolescência na América Latina, nomeadamente no Brasil, México e Uruguai. A escolha do tema não foi casual. O P3 entrevistou o fotógrafo, que confessou pensar há muito tempo no assunto: “Era muito natural fazê-lo, sendo eu filho de uma mãe adolescente e tendo uma irmã que foi também mãe durante a adolescência. É um tema muito próximo da minha vida e experiência pessoal”, revelou. “Quando dei início a este projecto já sabia que seria um projecto para muitos anos.”

Rodriguez dirige-se, directamente, aos hospitais e é no momento do parto que contacta com a futura mãe e a pessoa de maioridade que a acompanha. “Em 80% dos casos, quem acompanha a menina é a mãe. So me deparei em apenas dois casos, até hoje, com o namorado ou o marido.“ Na grande maioria, estas meninas serão também mães solteiras. É comum que o pai da criança não assuma a responsabilidade: quanto mais jovem o elemento masculino, maior a probabilidade de abandono.

 “Muitas destas jovens não querem ter filhos, mas há muitas que sim”

Christian Rodriguez acompanha casos de mães entre os 10 e os 16 anos de idade e aponta diferenças a vários níveis consoante a idade das mães. Entre os 10 e os 13 anos de idade, os casos de violação são muito frequentes. “Normalmente, nesta idade uma criança está grávida porque foi violada, e muito comummente, devido a incesto cometido por um pai um irmão ou um primo. Nestes casos, a faixa etária acarreta uma enorme vulnerabilidade. O corpo de uma menina não está preparado para ter um bebé e a taxa de mortalidade é muito elevada. Uma menina de 11 anos não entende o que aconteceu, não sabe porque é que o pai ou o primo fez aquilo. Se tem entre os 12 e os 14 anos, não faz ideia do que lhe irá acontecer. Só quando tem o bebé é que se apercebe do que significa ser mãe.”

Os casos de mães entre os 14 e os 16 anos de idade têm, geralmente, configurações diferentes e Christian encontra razões de ordem cultural para explicar o fenómeno. “Nem sempre a questão da gravidez na adolescência se prende com a questão da falta de informação ou com o facto de não haver acesso a preservativos ou a outros meios de contracepção. Muitas destas jovens não querem ter filhos, mas há muitas que sim. Geralmente a rapariga desiste cedo da escola e não tem grandes expectativas em relação ao futuro. Ser mãe, ter um bebé, para ela significa ter algo, ter um projecto. É uma forma de se afirmar em sociedade. Nestas comunidades, ser mãe significa uma subida na escala social, significa ser olhada com respeito.” Aponta também para a reprodução de um ciclo: “Se a tua mãe foi mãe adolescente, tu provavelmente também serás mãe adolescente, a tua irmã também, a tua prima também.”

O que liga todos estes casos, afirma, é o abandono escolar precoce. “Não gosto de fazer generalizações, mas quando estas meninas abandonam a escola ficam numa situação de maior vulnerabilidade face à gravidez precoce. Têm mais tempo livre e arranjam namorado. Para mim, este é o ponto chave.” Christian aponta a baixa escolaridade e o “machismo” como base do problema e sublinha as consequências a longo prazo. “Em 20 ou 30 anos, muitas mulheres nunca terão tido oportunidade de terminar os estudos ou de ir para a faculdade. Não terão, à partida, as mesmas oportunidades que um homem. Estes países são essencialmente machistas e há preferência pelos rapazes, para que estudem, e para que as raparigas fiquem em casa a limpar e a tratar da roupa e dos filhos.”

“Engravidar significa tornarem-se adultas e serem mais respeitadas”

Não existem diferenças significativas entre os países da América Latina que documentou. “No Brasil, trabalhei sobretudo nas favelas. Trabalhei na história de uma mãe adolescente que nasceu numa favela e aí, geralmente, as raparigas querem ser adultas rapidamente, querem crescer depressa. Engravidar significa tornarem-se adultas e serem mais respeitadas. ‘Não sou uma criança, não sou uma menina, eu sou mãe’. É um estatuto diferente.”

Christian descreve o último caso sobre o qual se debruçou, no México — país apontado pela Organização das Nações Unidas como o número um do "ranking" no que concerne à incidência do flagelo da gravidez na adolescência: “Neste momento, estou a trabalhar na história da Glória. Ela é mãe adolescente, tem 12 anos, e ficou grávida porque o pai a violou durante um ano. Também violou outra irmã de 8 anos e uma outra de 16. A mais velha fugiu de casa, ninguém sabe onde está. A Glória não quer ver o bebé, quer dá-lo para adopção. Para ela, ter o bebé significa lembrar-se todos os dias de que o seu pai a violou. É uma situação muito difícil.” O aborto não é uma opção, no México, e o nascimento destas crianças é incondicional. “No caso da Glória, o responsável é o seu pai mas, normalmente, nestas comunidades, quando ocorre uma violação, a única coisa que a família pretende é “reparar” a situação. E fazem-no exigindo dinheiro ao culpado. A família dirá algo como ‘ok, dás-nos 50 dólares e podemos esquecer o que se passou.’ O homem paga e o problema fica sanado. Ninguém sequer pensa na menina ou lhe dá qualquer apoio psicológico. Quando o caso não é o de violação, a família exige que o rapaz ou homem assuma um compromisso e que se case com a rapariga.“

É, geralmente, nas camadas mais desfavorecidas da sociedade que ocorrem este tipo de casos. No caso de Glória, “eles estão a tentar encontrar uma organização que acolha o bebé porque ela quer voltar à escola. É a única forma, acredito, de quebrar a cadeia de violência e pobreza e a repetição da situação da sua mãe [que também foi mãe adolescente].” A pobreza extrema do agregado familiar representa um entrave à escolaridade de Glória. “Mesmo que ela quisesse, não conseguiria, de momento, cuidar do bebé. Ela vive com oito pessoas, três irmãs, quarto irmãos e a sua mãe. As únicas pessoas que trabalham em casa são a mãe, a Glória e a Guadalupe, a sua irmã, que também está grávida. Se ela não trabalhar, ninguém come. Ela ganha 60 dólares por mês e trabalha 12 horas por dia, sem dias de descanso.”

Com o projecto “Teen Mom”, Christian pretende chamar a atenção para a verdadeira origem do problema: o abandono escolar. “É muito importante que estas meninas terminem os estudos, pelo menos os primeiros 12 anos. Mesmo que não sigam para a universidade, deveriam terminar o ensino secundário.”

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