O direito à morte

Alguém que tenta pôr termo à própria vida é condenado exactamente pelo quê? Pela tentativa de exercer derradeiro poder sobre um mecanismo natural? Por atentar contra si próprio?

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Lee Celano/Reuters

A recente decisão do Tribunal Europeu, relativamente ao caso de Vincent Lambert, suscitou de novo a discussão em torno da eutanásia e da morte assistida, que já tinha sido no ano passado bastante mediática com o caso de Brittany Mainard. A mulher americana iniciou uma campanha nos EUA para a aprovação da lei sobre a “morte com dignidade”.

Estes são casos de doenças terminais, ou irreversivelmente incapacitantes de tratamento bastante delicado, mas cuja discussão deveria ser levada até ao direito à morte, inalienável de todo o ser humano. Pelo direito à morte, entenda-se o direito que qualquer ser humano tem, como complemento ao direito à vida, de colocar termo à sua própria existência de acordo com a sua vontade e sem interferência de terceiros, quer sejam familiares, pessoas com quem mantém relações afectivas ou com o Estado ou o sistema de direito ou penal.

A situação de Vincent Lambert, particularmente, mostra como é absolutamente abjecto que, em pleno século XXI, ainda se permita que o direito de alguém a morrer seja discutido institucional ou publicamente. Trata-se de uma abusiva apropriação estatal, institucional ou social daquele que é o maior valor de qualquer ser humano — a vida.

Neste caso específico, encontramos ainda a contestação por parte dos pais, que são apontados como católicos convictos. Tal como dizia Saramago, à Igreja não interessa a apropriação das almas, mas sim a dos corpos. E essa observação concretiza-se no facto de os pais tentarem abusar da sua simples relação biológica com Vincent para se apropriarem da sua vida.

Também, e ainda no nosso tempo, existem países e estados nos quais o suicídio é proibido. E, no caso de alguém tentar suicidar-se e não conseguir concluir o acto, é condenado. Mas, reflictamos. Alguém que tenta pôr termo à própria vida é condenado exactamente pelo quê? Pela tentativa de exercer derradeiro poder sobre um mecanismo natural? Por atentar contra si próprio? Então, e se alguém atenta contra si mesmo (por mais subjectiva que tal consideração seja) não deveria, ao invés de ser condenado pelo sistema judicial, ser encaminhado para acompanhamento psicológico ou psiquiátrico? Não é uma pessoa que necessita de ajuda? Não é uma condenação em praça pública por parte de moralistas que tentam estender o seu poder moral até ao cerne da liberdade alheia?

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