O empreendedorismo é a solução para o regresso de emigrantes?

Novo programa do Governo pretende ajudar emigrantes a regressar a Portugal, através de apoios ao empreendedorismo. Sociólogo considera que o VEM será “inconsequente”, sem grandes resultados junto dos emigrantes mais jovens

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Max Rossi/Reuters

O apelo de regresso é feito aos emigrantes e o programa criado pelo Governo para os aliciar, numa sigla apropriada, chama-se VEM (Valorização do Empreendedorismo Emigrante). Integra o novo Plano Estratégico para as Migrações e tem como objectivo apoiar “projectos de criação do próprio posto de trabalho, ou empresa, por parte de emigrantes com intenção de regressar a Portugal e empreender”, explicou ao PÚBLICO o secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto e do Desenvolvimento Regional, Pedro Lomba. Será suficiente? Pedro Góis, investigador do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra e professor da Universidade do Porto, estudioso dos movimentos migratórios portugueses, acredita que o VEM será “inconsequente”.

Pedro Lomba falou em “até 40, 50 projectos” que podem vir a ser apoiados pelo VEM. “Se conseguirmos apoiar 100 ou 200, melhor, mas sei que por aqui, pelo menos, vamos começar”, disse, mantendo a cautela. O problema, diz Pedro Góis, “não são os 40 ou 50 projectos, bem sucedidos, que é capaz de haver”. “Faltam os outros 200 mil e tal de que necessitaríamos”, aponta. Isto porque, de acordo com resultados de um estudo sobre a nova emigração, em 2011 contabilizavam-se 250 mil pessoas “que tinham estado pelo menos um ano contínuo a viver no estrangeiro e que tinham depois regressado”. “No momento em que migram do país 100 mil pessoas por ano, se conseguirmos fazer regressar 50, provavelmente nem notaremos o seu regresso”, critica.

Do Plano Estratégico para as Migrações fazem parte “106 medidas diferentes” — mas este ficará conhecido, crê Pedro Góis, como o plano do VEM. Tem algumas virtudes, continua, nomeadamente o facto “de pensar uma parte dos fundos comunitários que Portugal vai receber, no quadro do Horizonte 2020, e destiná-los também à emigração”. São as falhas dos canais de comunicação que, diz, se afiguram como um entrave.

“Estamos a falar de um programa dependente de um secretário de Estado Adjunto do Ministro Adjunto do primeiro-ministro, é assim uma coisa quase escondida dentro da estratégia do Governo”, ironiza. Como se o executivo não tivesse percebido — e o sociólogo acha, “sinceramente, que ainda não percebeu” — o que se passou com a emigração nos últimos anos, com a qual “existe uma falha de estratégia de comunicação”. No caso dos jovens, esta falha é ainda mais premente. “Temos que estabelecer um ponto de encontro a meio caminho: colocar informação nas redes onde os jovens se movem, nomeadamente nas redes sociais. Eles depois vão encontrá-la porque sabem pesquisar”.

“Não me surpreende que quem saiu há pouco tempo não queira voltar imediatamente”, confessa — até porque os estudos mostram que a maioria volta ou nos primeiros cinco anos após ter saído ou no fim da carreira profissional, isto é, na idade da reforma. “Surpreender-me-ia muito se uma percentagem elevada dessas pessoas não acabasse por voltar nos próximos anos porque, pelo nosso contacto com toda a nova emigração, nem tudo são rosas quando se está fora do país.”

A chave é a qualificação

Para que os emigrantes regressem a Portugal, o mercado de trabalho tem que se tornar mais flexível, num “processo lento que vai acontecer quase de forma imperceptível”, analisa Góis. O Governo, diz, “tem estado preocupado em flexibilizar o mercado de trabalho sob o ponto de vista do empregador, deixando-o com uma grande margem de flexibilidade nos despedimentos, nos horários de trabalho e várias questões associadas”. A chave "é a qualificação” — e muitos dos jovens que deixaram o país “conseguiram emprego mas não necessariamente a fazer aquilo para o qual se prepararam”. A capacidade de negociação de condições de trabalho dependerá, também, da soma da “qualificação profissional e da experiência que vão ter no estrangeiro”.

Mas para isto acontecer é preciso “deixar passar algum tempo”, que não deve ser preenchido com a oferta de estágios, numa relação entre empresas e o Instituto de Emprego e Formação Profissional, através de um outro programa do Governo, o Reactivar. Os estágios, reflecte, “são uma óptima oportunidade para se fazer a transição entre o que é um ensino profissional e académico e a vida activa”, durante um período “curto” e baseado “numa aprendizagem do saber fazer”. Ora, quem já emigrou, continua o investigador do CES, “já tem esse saber fazer e não é através de um estágio que vai querer voltar”. Esta ideia configura “uma mensagem errada, mal remunerada, sem grande utilidade em termos práticos”. “Não esperemos grande coisa daí, não será pelos estágios que as pessoas voltam, seguramente.”

Pedro Góis gosta, ainda assim, “de ver as coisas pela positiva”. “Não podemos estar à espera do Estado. Nenhuma das pessoas que emigrou esteve à espera do Estado e para voltar também não vai esperar pelo Estado”, acredita. Para o docente universitário, “as oportunidades do país existem além dos governos”, mesmo que para “muitos dos que estão fora voltar não seja opção”. E acrescenta: “Se calhar, para muitos dos que cá estão, sair ainda não é opção”. Medidas ou números à parte, desmistifica, “circular é algo absolutamente normal”.

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