A eterna busca de Herberto Helder

Se a paixão era para ele “a moral da poesia”, para a poesia ele foi um modelo da paixão pela palavra.

Quando nos morre um poeta, há sempre a tentação de o identificar como o último de uma geração, um género, um clã. Sucedeu com Sophia ou com Ramos Rosa. Herberto morreu, porém, como o último representante dele próprio, da sua genial singularidade. Foi, até ao final, um escultor ardentemente obsessivo da palavra, mas num reduto avesso à exposição mundana, aos seus rituais de afirmação e consagração (recusou em 1994 o Prémio Pessoa sugerindo ao júri: “Não digam a ninguém e dêem o prémio a outro”). O que, se por um lado criou o chamado “mito Herberto Helder”, ou o mito do “poeta obscuro”, permitiu-lhe estabelecer-se como referência rigorosamente poética para os seus contemporâneos, de tal modo que, como ontem referiu o crítico António Guerreiro, todos tiveram que se situar perante os horizontes por ele talhados, e esse terá sido o “efeito Herberto Helder”.

Embora não desse entrevistas e fosse avesso a fotografias, “deu” uma entrevista a ele próprio, que o PÚBLICO publicou a 4 de Dezembro de 1990. Nela, dizia-se “um autor de folhetos” e situava-se face à poesia desta forma: “Escreve-se um poema devido à suspeita de que enquanto o escrevemos algo vai acontecer, uma coisa formidável, algo que nos transformará, que transformará tudo”. Mas… “É preciso intoxicar-se com a paixão do perigo, desenvolver-se gente dentro dessa paixão: porque o ouro e a prata se escondem em recessos de floresta, fundos de mina, terras depois da água. A paixão é a moral da poesia: arrisquem a cabeça se querem entender; (…)” Ele arriscou, a cabeça e o tudo o resto, na ideia de que “a pergunta, a procura, o poema reincidente, cristalizam numa grande massa translúcida, um bloco de quartzo”, que talvez “na hora do apocalipse biográfico” nos permita ver de forma límpida a “enfim aplacada confusão do mundo”. A morte, que ele antecipou na escrita, tornou de um golpe esta busca incompleta; e eterna.

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