A eterna polémica das nomeações governamentais

O processo de escolha e de nomeação público nunca foi e jamais poderá ser apartidário ou independente.

A polémica é antiga e as páginas de jornais sobre a matéria vão-se multiplicando ao longo dos mandatos dos diversos governos. Sempre a mesma e velha questão: estará ou não o Governo em funções a partidarizar a administração pública, através da nomeação de dirigentes e de administradores de empresas públicas, identificados como militantes ou simpatizantes do(s) partido(s) do Governo?

Sistematicamente, o Governo diz que não. A oposição diz que sim. E a imprensa entretém-se a descredibilizar, e muitas vezes a humilhar, seja a classe política, seja  os próprios nomeados, conforme a sua vontade pontual ou a sua agenda política. De quem é a culpa? Dos governos, não. Da imprensa, também não. Os únicos e exclusivos responsáveis desta sua permanente descredibilização são os próprios políticos que, com a sua falta de coragem, tentam converter um processo político de nomeações num pseudoprocesso apartidário.

Este processo de escolha e de nomeação público nunca foi e jamais poderá ser apartidário ou independente. Mas, obrigatoriamente, e a bem da própria democracia representativa, deverá ser sempre um processo transparente. Com a tomada de posse deste Governo alterou-se significativamente a forma como se efetuam essas nomeações. Criou-se um organismo independente — a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, CRESAP , cuja missão é recrutar e selecionar a direção superior da administração pública.

Escolheu-se para presidir a esta estrutura um professor universitário com currículo inquestionável. Um homem que se tem dedicado ao estudo e investigação da administração pública, o prof. João Bilhim, que foi coordenador técnico do PRACE Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado , e que, para quem não se lembra, foi o organismo incumbido pelo anterior Governo de apresentar propostas de reestruturação da administração pública, e cujos relatórios nunca saíram da gaveta. Tudo isto para dizer que foi escolhido alguém politicamente insuspeito.

Contudo, a polémica nas nomeações governamentais continua e há-de continuar. A suspeita de favorecimento partidário está sempre presente, quanto mais não seja porque, como em qualquer processo de seleção, fatores subjetivos estão sempre subjacentes na escolha final.

Embora reconhecendo que este sistema foi um avanço relativamente ao procedimento de recrutamento e seleção anteriores, que simplesmente não existia, mantenho algumas reservas quanto ao mesmo. Sei e reconheço que existe uma genuína filosofia por parte deste Governo para que estes processos de seleção sejam realizados numa ótica de forte meritocracia. Porém, no final de quase todos os processos de seleção pairam sempre as suspeitas do costume e o sentimento de injustiça habitual. Aquilo que parece ser não é, e aquilo que é, infelizmente, não parece. A transparência no processo de nomeações deverá ser um valor inalienável. Diria mesmo absoluto, e de tal maneira que se deverá sobrepor à característica apartidária.

O Governo em funções, qualquer governo, deverá ter a liberdade para escolher quem são os dirigentes da administração com quem vai trabalhar, os que lhe ofereçam as melhores garantias de serem os vasos capilares da implantação das suas políticas e diretrizes, sem prejuízo de recorrer a um organismo independente, como faz o atual Governo. Ou pura e simplesmente por nomeação direta, política e partidária como fez o PS no anterior Governo...

Nesta matéria como em outras deveria existir um consenso entre todos os partidos, no sentido de se identificarem os cargos da administração pública que são de exclusiva confiança política. Esses seriam de nomeação direta por parte da tutela. Todos os outros enquadrar-se-iam, obviamente, nas diversas carreiras do funcionalismo público.

Defendo há muito que, em Portugal, o processo de nomeações deveria ser semelhante ao de outros países, e cujos resultados, relativamente à transparência e lisura de processos, são inquestionáveis. O Governo em início de funções teria um prazo 60 dias, por exemplo , após a sua tomada de posse, para nomear todos esses dirigentes identificados como “de confiança política”, e cujo mandato seria coincidente com o mandato do próprio executivo, e no dia que este cessasse funções também o seu mandato terminaria.

Um processo em tudo idêntico ao que acontece com a nomeação de ministros, secretários de Estado e assessores. Imagine-se o que seria se todos estes passassem por um processo de pré-seleção de uma qualquer CRESAP. Provavelmente, alguns nunca conseguiriam ser nomeados... Mas são. E bem! O Governo assumiria assim toda a responsabilidade política das suas nomeações.

Já imaginaram as poupanças em indemnizações devidas por demissões de administradores antes do terminus dos seus mandatos? E a panóplia de leis orgânicas que se evitavam só para fazer cair dirigentes de estruturas? E o papel de jornal que se pouparia, em notícias a conta-gotas, sobre a adequação ou não das diversas nomeações?

A classe política tem de assumir, definitivamente, que não só dentro da estrutura do Governo, mas também nas estruturas descentralizadas do Estado, e das estruturas por si tuteladas, existem lugares/funções cuja confiança política no nomeado é fulcral e imprescindível, diria mesmo desejável. Este seria o processo mais transparente.

Certamente que tal não constitui um atentado à democracia representativa, e também não perfilho a ideia de que a qualidade profissional/académica dos nomeados seria mais deficitária. Independentemente da cor política, nenhum governo promove qualquer nomeação, sem que tenha por base o curriculum e a experiência profissional dos nomeados, para além da confiança e garantias que os mesmos lhe merecem.

Quer-me parecer que enquanto nós, políticos, não tivermos essa coragem de assumir as responsabilidades nas nomeações, estaremos sempre a promover pseudoprocessos transparentes, em que ninguém acredita, com excepção dos próprios.

Reconheço que esta opção não é consensual, mas claramente controversa. Prefiro sempre um processo transparente, ainda que em detrimento da imparcialidade, a um processo pretensamente imparcial, mas sobre o qual todos têm dúvidas e fundadas reservas. A transparência deve sempre prevalecer.

Deputado e presidente da distrital do Porto do PSD

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