A teoria do big bang

Uma interpretação soberba de Benedict Cumberbatch numa meditação sobre a diferença disfarçada de thriller de guerra.

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Cinecartaz: Trailer O Jogo da Imitação

Pode parecer algo “insensível” evocar a popular série de comédia A Teoria do Big Bang para falar de Alan Turing, matemático inglês que lançou as bases dos computadores modernos e teve um papel fulcral na decifração dos códigos militares alemães durante a II Guerra Mundial.

Não é, por uma simples razão: a própria estratégia do argumentista Graham Moore e do realizador Morten Tyldum em O Jogo da Imitação é introduzir a personagem ao espectador (numa cena notável que brinca com o conceito das “entrevistas de emprego”) como um idiot savant que parece existir numa realidade alternativa, um génio matemático incapaz de jogar o jogo social. Esse início algo brusco e picaresco remete invariavelmente para Sheldon Cooper, o físico imaturo da Teoria do Big Bang – e é essencial para estabelecer a base do que se seguirá. O filme é a história da “aprendizagem” que Turing faz da necessidade de se integrar na estrutura social de uma Inglaterra classista e rígida, mas também a história de um homem condenado pela sua genialidade que acabou por se suicidar em 1954 sem que a importância do seu trabalho fosse reconhecida em vida.

O Jogo da Imitação

 esconde essa dimensão trágica por trás de uma narrativa clássica de 

thriller

 de guerra, ligada à corrida contra o tempo da equipa de criptógrafos recrutada pelo governo inglês para descodificar as comunicações militares alemãs. Por trás desse problema matemático, é uma metáfora da própria humanidade de Turing que se gere: o título refere-se ao célebre “teste de Turing” onde um pequeno número de perguntas seria suficiente para identificar e diferenciar uma inteligência humana de uma inteligência artificial. Mas esse “jogo da imitação” é também o jogo da identificação e diferenciação da “normalidade” e do “desvio”. Reflecte a tragédia de Turing como um visionário desfasado do seu tempo, uma personalidade quase autista que, apesar dos seus melhores esforços, nunca conseguiu integrar-se completamente na sociedade rígida da Inglaterra pós-imperial. E o filme ganha-se precisamente na elegância com que Morten Tyldum tece o seu retrato de Turing como prisioneiro do seu tempo histórico mais do que como símbolo do que quer que seja.

Para isso contribui sobremaneira a interpretação espantosa de Benedict Cumberbatch, que transforma o cientista quase sem esforço de proto-Sheldon Cooper em figura trágica, que transporta às costas um filme mais inteligente do que a aparência de “filme de época britânico” daria a entender (e é uma produção americana dirigida por um cineasta norueguês). E é a maneira certa de falar de Alan Turing: como uma pessoa demasiado complexa para um mundo que não aceitava essa complexidade. 

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