JAS, o Nobel das afrontas

As crónicas de José António Saraiva ensinam-nos, porém, algumas coisas: há imbecis que nunca chegam a lugar nenhum, mas há outros que chegam a director de jornal

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Luís Ramos

“Caso tivesse 100 milhões de euros para distribuir, entregá-los-ia a Belmiro de Azevedo — que com eles poderia fazer num ano outros 100 milhões (passe o exagero). Se, inversamente, entregasse 1 milhão de euros a 100 pobres, ao fim do mesmo tempo o dinheiro teria desaparecido e eles estariam tão pobres como antes e muito mais infelizes.” Esta frase podia muito bem ter sido dita num café de Alfama por um qualquer sujeito desprovido de consciência, mas não. Quem a escreveu foi José António Saraiva (JAS), director do jornal Sol e um dos tipos mais propícios a imprimir barbaridades em folhas de papel. Não acreditam? Ora vejam.

JAS é o mesmo rabiscador que escreveu, há dois anos, esta pérola: “à minha frente, no elevador, está um rapaz dos seus 16 ou 17 anos. Pelo modo como coloca os pés no chão, cruza as mãos uma sobre a outra e inclina ligeiramente a cabeça, percebo que é gay”. JAS é também o energúmeno que, após ter tido a dócil e simpatiquíssima Lídia Jorge a dar uma entrevista ao seu jornal, lhe atirou lama para cima por ter lançado ao ar uma qualquer frase de índole feminista: garantiu que “curiosamente, Lídia Jorge, que sempre lutou pelos direitos femininos, quando fala dos seus tempos de infância revela nostalgia e saudade por essa sociedade que já não existe. À pergunta ‘Em que sítio escreve?’, Lídia Jorge responde: ‘No Algarve, na casa da minha mãe. No sítio onde a minha avó amassava o pão’. É uma imagem caseira, de um tempo que passou. Mas é essa imagem que, ainda hoje, transmite segurança e paz à escritora. A avó a amassar o pão para a família.” Viva o machismo poeirento, não é JAS? Como se não bastasse, JAS é o mesmo ser que revelou ao pasmado mundo que seria vencedor de um Nobel. Aguarda-se, por isso, que academia sueca crie um galardão que premeie a idiotice.

Custa a crer que JAS não tenha noção das afrontas que comete ao fazer certas afirmações neste relativamente simpático século XXI. Talvez JAS esteja com saudades desses tempos fabulosos da ditadura ou, melhor ainda, da época em que as pessoas ainda não sabiam que os dentes se podiam lavar. Ou talvez JAS não tenha uma consciência sobre a qual pôr a mão, continuando a ser um bruto que se desenvencilha a manobrar uma caneta. Ou, ainda, talvez JAS ache que deve continuar a ser disparatado e dar um aspecto tonto de si mesmo para que ninguém o empurre do palco abaixo.

Caríssimo José António Saraiva, eu consigo compreender que a obrigatoriedade de escrever crónicas praticamente todos os dias o leve, de quando em vez, a largar sobre o público uma dose generosa de caca de gato, mas tenha dó da gente e de si próprio. Não é com saudosismos de séculos passados que leva uma comunidade para a frente. Se toda a gente olhasse para trás com esse seu peculiar fascínio, estaríamos todos a comer carne crua numa gruta. Parece que, afinal de contas, o crítico e escritor Miguel Real é quem tem toda a razão: “cabe aos ingénuos endireitar o mundo que os espertos tem entortado”.

As crónicas de JAS ensinam-nos, porém, algumas coisas. Esta, para mim, é a melhor lição de todas: há imbecis que nunca chegam a lugar nenhum, mas há outros que chegam a director de jornal.

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