Viver no interior do país é aborrecido

Como é que concelhos com um ritmo de vida tão aborrecido pensam vir a atrair os rapazes e raparigas que estão neste momento na centrifugadora vida universitária?

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David Clifford/Público

A cadência vertiginosa de títulos noticiosos dá-nos uma cómoda sensação de sermos cidadãos esclarecidos e perfeitamente indignados com tudo o que se passa no país. Ironicamente, esta cavalgada de manchetes refreia-nos a lucidez e apenas nos conduz, na maior parte dos casos, à momentânea impetuosidade de querer fazer justiça pelas próprias mãos. A certo ponto o excesso é tanto que só nos desperta aversão. Assim é o curto ciclo de vida dos escândalos centrais do nosso país.

Entretanto dizem-nos que as instituições de justiça estão a funcionar, mas não importa porque já estamos noutra. Mas isso é coisa de metrópole. Ora, no interior do país, de onde escrevo, a velocidade é outra. E já que os problemas daqui não costumam passar nos telejornais e já que nos fecharam os tribunais (parece alarve dizê-lo assim), sigo o raciocínio e concluo que aqui, sim, podemos levar a cabo justiça de pelourinho.

Detenham-se neste acórdão escrito na pedra. Há indícios suficientes para condenar a realidade do interior do país à prisão preventiva: branqueamento de pessoas e oportunidades de vida, pouco tráfego de influências positivas nas nossas estradas e empobrecimento ilícito. As visitas de médico dos filhos e netos por ocasião do Natal podem atenuar o Inverno rigoroso, mas não fazem esquecer que os problemas da desertificação são uma bola de neve que bate na cara e aleija. Desde logo porque têm imposto à população a medida de coacção “sopas e descanso” como mote diário.

Como é que concelhos com um ritmo de vida tão aborrecido pensam vir a atrair os rapazes e raparigas que estão neste momento na centrifugadora vida universitária? É verdade que as entidades públicas vão disponibilizando vagas das nove à cinco, mas já se chegou ao ponto de o número de pessoas de um lado e de outro dos balcões estar, com grande desequilíbrio, invertido.

E quando há iniciativas que se querem dinâmicas chegam todas ao mesmo tempo – feiras concorrentes entre concelhos vizinhos exactamente nos mesmos dias - como se a ditadura que aqui vivêssemos fosse a da falta de tempo. Até os últimos marcos de resistência deste povo estão a fraquejar: o "karaoke" das sextas está em crise por falta de proponentes; e os casos disciplinares que agitam a agenda do futebol distrital deixaram de ser por faltas dentro da área para serem por faltas de comparência.

Não quero tirar importância aos assuntos sérios deste país. Mas desta vez gostava que se tornassem cidadãos esclarecidos e perfeitamente indignados perante o definhamento destes territórios. Viver no interior do país é aborrecido. Faria se, em vez de escrever sobre estados de espírito, vos falasse das privações de cultura, educação, desporto e acesso à saúde a que nos estão a condenar. Era um escândalo.

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