Carta de um Marialva aos Defensores da Criminalização do Piropo

O meu nome é Carlos e sou um marialva. Gosto de toiros, de fado, só faço amor com a minha mulher de luz apagada (e nunca por trás), sou devoto de Nossa Senhora de Fátima e conduzo muito melhor depois de beber três garrafas de vinho. Enfim, sou um homem à antiga.

Escrevo para vos dizer: obrigado! Obrigado por, com a vossa cruzada, aliviarem os punhos de um velho macho lusitano que amiúde se vê forçado a andar à briga pela honra das suas mulheres. Sempre que algum atrevido dirige a palavra a uma senhora do meu agregado familiar, lá vou eu ensinar-lhe boas maneiras. Sucede que, pela última contagem, sou filho, marido, genro, irmão, cunhado, sobrinho, pai e tio de algumas 50 fêmeas. Já não tenho vagar para vigiar tanto mulherio. Felizmente, graças à vossa iniciativa, vou passar a contar com a ajuda da PSP.

Aprendi agora que quando um canalha diz “olá” a uma mulher não devo bater-lhe. Essa é a atitude reaccionária. A atitude progressista é chamar a polícia, para que a polícia lhe bata. Antigamente é que um homem se considerava dono da mulher. Agora, na modernidade, a mulher pertence ao Estado, que a deve defender. Por mim, tudo bem. É-me indiferente quem está à cabeça do sistema de opressão patriarcal.

Atenção, não sou um troglodita! Até acho legítimo que um homem interaja com uma mulher na rua. Deve é fazê-lo com bons modos. Por exemplo: “Minha senhora, não tenho qualquer interesse em ter uma relação sexual consigo, ou sequer um contacto mais íntimo que, não sendo considerado relação sexual stricto sensu, seja, ainda assim, do âmbito da carnalidade, mas pode dizer-me as horas, por favor? Se forem dez para as duas não diga, uma vez que as posições dos ponteiros do relógio sugerem pernas abertas. Obrigado.” O importante é deixar bem claro que não há qualquer insinuação sexual.

Para comprovar a minha entrega à nossa causa comum, partilho convosco um episódio emblemático da minha longa luta pela defesa da mulher. Certa vez ouvi contar uma história chocante de como um rapaz da minha terra se ia pôr, todos os dias, à espera que determinada moça saísse da escola, só para se poder meter com ela nos breves instantes que ela demorava a entrar na camioneta. O insolente ainda tinha o topete de lhe oferecer uma flor e importuná-la com bilhetinhos abusadores, tipo “hoje sonhei contigo” ou “estavas tão bonita na igreja”. Esta perseguição durou três anos. Três anos a elogiar! Apesar de já se terem passado cinco décadas, perdi a cabeça como se o desrespeito deste alarve tivesse ocorrido hoje. De modo que fui directo ao já octogenário patife. Disse-lhe: “Ó depravado, não tem vergonha de se meter com rapariguinhas à porta da escola? Eu devia era dar-lhe uma carga de lenha nos cornos!”

E diz ele: “Isso são modos de falares com o teu pai?”
E eu: “Não desconverse! Soube que andou a assediar a mamã!”
“Eu? Quando?”
“Quando começou a namorar com ela. A sua sorte foi eu ainda não ter nascido!”
“Tua sorte! Se eu não tivesse cortejado a tua mãe, não tinhas nascido.”

Não me contive. Peguei num quadro e enfiei-o pela cabeça dele abaixo. Por azar era o quadro favorito da minha mãe, uma colagem com todas as flores velhas que o meu pai lhe ofereceu. Mas valeu a pena. Estes crimes não prescrevem. Obrigado!
Um abraço para os senhores. Para as senhoras um respeitoso aceno, mas sem contacto visual.

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