No Porto, o futuro é já no final do mês

Durante uma semana, cientistas de topo, da bioquímica e da bioengenharia à neuropsiquiatria, mas também arquitectos, sociólogos, romancistas, filósofos, cineastas ou políticos vão reunir-se no Porto para espreitar o futuro.

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O encenador e coreógrafo norte-americano Bob Wilson abre no próximo dia 23, com uma conferência-performance intitulada 1. Have you been here before? 2. No this is the first time (Já aqui tinha estado? Não, esta é a primeira vez), a edição inaugural do Fórum do Futuro, um ecléctico festival de pensamento organizado pelo Pelouro da Cultura da Câmara do Porto com a colaboração da Universidade do Porto e das principais instituições culturais da cidade: Serralves, o Teatro Nacional de S. João (TNSJ) e a Casa da Música.

Se tendemos a considerar os cientistas de ponta como intermediários privilegiados entre o presente e o futuro, a escolha de um artista como Bob Wilson para abrir o programa é já um indício de que o responsável pela concepção deste fórum, o vereador da Cultura da Câmara do Porto, Paulo Cunha e Silva, quis garantir que esta discussão do futuro pudesse cruzar múltiplas abordagens, sem se fechar em temas ou disciplinas. Ainda que talvez seja possível destacar dois tópicos que se insinuam mais ou menos explicitamente em muitas das intervenções previstas: a cidade e o corpo.

Depois do ciclo O Futuro do Futuro, que Cunha e Silva organizou no Porto em 2001, enquanto programador da capital europeia da cultura, este fórum é um regresso ao futuro, mas não pretende ser uma “remake”, garante o vereador. “Em vez de grandes debates ao longo de todo o ano, teremos uma reflexão centrada numa só semana, o que tem a vantagem de os conferencistas poderem assistir às sessões uns dos outros e de o conjunto funcionar como um think tank sobre o futuro”.

Outra grande diferença é que O Fórum do Futuro não é uma iniciativa efémera. Cunha e Silva até já tem tema para o fórum do próximo ano: a felicidade. Mas nesta primeira edição quis evitar quaisquer fechamentos temáticos para mostrar que o debate sobre o futuro “pode ir em todas as direcções”.

Se o título de Bob Wilson, com a sua alusão a ser a primeira vez que está “aqui”, tem um tom adequadamente inaugural, Cunha e Silva escolheu para baptizar a sessão de encerramento, no dia 30, o título de um célebre filme de Francis Ford Coppola, mas acrescentado de um significativo ponto de interrogação: Apocalypse, Now? O primeiro a intervir será o sociólogo francês Michel Maffesoli, que tem estudado as ressurgências tribais e comunitárias nas sociedades contemporâneas, seguindo-se uma mesa com o filósofo de Portugal, Hoje: O Medo de Existir, José Gil, que dialogará com o social-democrata Paulo Rangel e com o socialista Augusto Santos Silva.

“Quis acabar com uma discussão mais política sobre a possibilidade de estarmos no fim, mas acho que o fim ainda não é para já”, diz Cunha e Silva, “ou não teria escolhido o tema da felicidade para o fórum do próximo ano”.

Uma micro-Berlim

Descontado o dia de abertura, que se resume à intervenção de Bob Wilson, a regra é haver duas ou três sessões por dia, muitas vezes relacionadas entre si. No dia 24, Ray Hutchison, um autor de referência da nova sociologia urbana discutirá O Futuro das cidades e os arquitectos Jean Nouvel e Eduardo Souto de Moura, dois prémios Pritzker, responderão à pergunta Uma arquitectura para que futuro?. “O tema do futuro é um tema do tempo, mas quis vinculá-lo ao espaço, à cidade”, diz Cunha e Silva.

No dia seguinte, logo pela manhã, o TNSJ acolhe uma espécie de mini-colóquio, intitulado O fim das possibilidades, em torno da obra do dramaturgo francês Michel Sarrazac. E à noite salta-se para a sétima arte, com O cinema como reinvenção, que reúne dois jovens cineastas portugueses, Gabriel Arantes e Salomé Lamas, e dois cineastas estrangeiros que eles próprios indicaram: o polaco Marcin Malsczak e a francesa Marie Loisier, cujo filme The Ballad of Genesis and Lady Jane (2011) narra o caso do artista Genesis Breyer P-Orridge, que criou com a sua mulher o projecto Pandrogeny, uma tentativa de se tornarem fisicamente semelhantes através de sucessivas intervenções cirúrgicas. Uma história que se cruza com as várias sessões deste fórum dedicadas a novas formas de modificar e reconstruir o corpo.

Esta sessão, moderada pelo realizador Joaquim Sapinho, serve de pretexto a Cunha e Silva para precisar que não quis limitar o elenco “aos mais consagrados, aos que têm o crédito de ter construído futuro”, mas também “aos que estão a inventá-lo, a experimentar”, seja no cinema, seja noutros domínios.

O dia 26 é dedicado à língua e à literatura, com um debate em torno do futuro da língua portuguesa, com Adalberto Dias de Carvalho, Guilherme Oliveira Martins e Fátima Marinho, a que se seguirá uma conversa entre o romancista Mário Cláudio e o mais recente vencedor do prémio LeYa, Afonso Reis Cabral, que falarão de Ficcionar o futuro.

Ainda no mesmo dia, a norte-americana Martha Rosler abordará O lugar dos artistas e a gentrificação da cidade, um tema que ganha pertinência, argumenta Cunha e Silva, “num momento em que vários artistas estrangeiros querem vir viver para o Porto” e poderão contribuir para ajudar a transformá-lo “numa espécie de micro-Berlim da Europa do Sul”.

Smart drugs e chips

A arquitectura regressa no dia 27 com Álvaro Siza Vieira e o espanhol Rafael Moneo, que discutirão A reconstrução da cidade. “Perante a evidência de que não vai ser possível construir muito mais, será preciso olhar para o edificado, e a construção vai ser cada vai ser cada vez mais recuperação e restauro”, observa Cunha e Silva.

O dia termina com uma sondagem à música do futuro, numa conversa, moderada pelo director artístico da Casa da Música, António Jorge Pacheco, entre o director do IRCAM, em Paris, um dos mais avançados institutos de pesquisa musical, e o compositor italiano Luca Francesconi.

Pode dizer-se que a ciência dura só arranca verdadeiramente no dia 28, com dois especialistas em ampliar as possibilidades do cérebro, a neuro-psiquiatra Barbara Sahakian, uma especialista em smart drugs, e Ian Harrison, um jovem cientista que implantou chips no corpo para potenciar a relação com a realidade, e que trabalha com um célebre pioneiro da cibernética e figura de culto entre as comunidades de biohackers: Kevin Warwick.

No dia 29, o prémio Nobel da Química Aaron Ciechanover – teve um papel central na descoberta e estudo dos processos de autolimpeza das células através de uma proteína chamada ubiquitina – conversará com Manuel Sobrinho Simões e Alexandre Quintanilha numa sessão que parte da pergunta Todas as doenças serão curáveis no futuro? E Cunha e Silva acrescenta a pergunta seguinte: “que riscos e consequências implicará um mundo sem doenças?”.

No último dia deste Fórum do Futuro, e ainda antes da já referida sessão Apocalypse, Now?, Buddy Ratner, especialista em próteses e materiais substitutivos, e reitor da Universidade de Washington, explicar-nos-á quais serão os materiais do futuro e como poderão ser utilizados na reconstrução do corpo. E o filósofo basco Daniel Innerarity, que tem vindo a defender que as sociedades democráticas terão de tomar cada vez mais em consideração o futuro nos seus processos decisórios, abordará O futuro da Europa e os seus inimigos numa sessão em que será confrontado pelo ministro Miguel Poiares Maduro.

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