O mais difícil já foi feito; falta rentabilizar os adeptos anónimos

A aceitação de uma mulher como árbitra de seniores masculinos reflecte um caminho em que Filipa Jales diz que o mais difícil já foi feito

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João Peleteiro

A distinção de Filipa Jales como Melhor Árbitro do Ano pela FPR não terá significado tanto para a ex-campeã quanto para a própria modalidade. "Ninguém sabe bem quais são os critérios de atribuição do prémio, mas devem-mo ter dado por eu já há uns anos ser a Joana D'Arc da modalidade", pondera, com uma gargalhada. "É que se foi por me acharem efectivamente o melhor árbitro, eu não concordo, porque há quem faça um trabalho mais regular e complicado do que o meu. Acho mais que me escolheram pela minha actividade internacional, em que tenho tido algum êxito, e como reconhecimento pelo valor do râguebi feminino em geral".

É por isso que a ex-campeã proclama que "o mais difícil já foi feito". Assistiu à sua aceitação como juíza entre homens; viu reconhecido o seu mérito enquanto profissional total, independentemente do género. "Estava farta de ver jogos femininos sempre com o mesmo árbitro ou então sem árbitro nenhum", desabafa. "Quando comecei, pensava que me iam desvalorizar por ser mulher, mas, precisamente por isso, até fui um bocadinho protegida, com toda a gente a respeitar os meus timings e a deixar-me avançar step by step, como qualquer pessoa que começa a arbitrar devia poder fazer". Pressões pela fragilidade que poderia estar afecta à sua condição pioneira, nunca as sentiu. Aliás, realça: "Se a postura para com um árbitro de râguebi fosse a mesma que existe para com os de futebol, eu nunca teria seguido a arbitragem".

Dessa estabilidade resultou assim uma evolução sólida, confortável. A censura também foi justa: "Sou criticada da mesma forma que criticam um homem e dizê-lo é o melhor elogio que posso fazer a quem vem trabalhando comigo". Resta agora proceder ao reforço das tropas. Filipa gostava de ver mais árbitras no râguebi e insiste que há várias funções desportivas em que, no feminino ou masculino, os ex-atletas seriam úteis ao desenvolvimento da modalidade. "Os clubes souberam aproveitar o boom do Mundial 2007, mas esse já passou e agora há que sedimentar o que temos e tratar do futuro", defende.

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Miguel Carmo

É a pensar nisso que a melhor árbitra do ano quer mais formação em râguebi no currículo oficial das escolas, quer um número de praticantes que assegure maior leque de escolha às selecções nacionais, quer mais competitividade em campo, mais infraestruturas de apoio, mais patrocinadores. "Nunca se falou tanto de râguebi como agora", salienta. "Falta é rentabilizar o interesse das pessoas, porque há muitos adeptos anónimos que seguem o râguebi em casa e é preciso descobrir os nossos próximos jogadores". As mães desses futuros atletas também andarão por aí e, se quiserem ajudar a moldar a próxima era do râguebi português, Filipa Jales deixa-lhes já uma certeza: "Serão bem-vindas. A realidade já demonstrou que somos tratadas de igual para igual – tem é que haver competência e mérito para lá chegar".

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Miguel Carmo

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